Cláudio Teles
O Santo-de-Pau-Oco
Só
não digo quem sou,
Se
mesmo sem quem sou?
Tudo
indica que,
Tudo
implica que,
Só
sei do que serei.
Nada
além disso.
Tudo
é esplendor da vida,
Faz,
deixa sua marca no mistério da existência.
Eu
penso por que existo?
Palavras
não são saberes?
Me
persuade com a força dos opostos.
Tudo
indica que,
Tudo
aponta que,
Sou
essa tal de vida.
Sei o que é esse troço!
PRÓLOGO
Pronto-Socorro, Juiz de Fora
24: 00
O
velho garimpeiro João Maranhão despertou afogante em um dos leitos do grande
hospital público Pronto-Socorro de Juiz de Fora. Estava com a cabeça enfaixada
e respirando por aparelho oxigenado. Tentou desesperadamente pegar uma caneta e
um bloco de receitas numa mesa ao lado. Fez força tentando levantar-se, mas não
conseguiu. Estava com as duas pernas quebradas. Procurou lembrar como tudo
aconteceu. Levei os rapazes para o baile em Matias Barbosa e,
na volta, a neblina estava muito forte. Devo ter confundido a entrada de Simão
Pereira com uma curva para Monte Verde e certamente caído nas rochas do Rio do
Peixe. De fato, Maranhão, absorto em seus pensamentos do Terceiro Caminho,
passou reto entre as duas curvas que davam acesso à esquerda para Simão
Pereira, e à direita para Monte Verde e foi cair nas rochas do leito do Rio do
Peixe descobertas pelas águas em período de estiagem.
Maranhão retirou o soro do
encaixe e com o encaixe na mão, puxou a mesa que estava próxima. Com esforço
pegou a caneta e o bloco de receita do médico. Tudo é difícil. O esforço que fazia deixava-o mais debilitado e a
morte era iminente. Preciso escrever a Onório.
Os médicos do hospital já tinham feito os preparativos para a retirada dos
órgãos. Três horas depois, Marta entra no centro de recuperações de pacientes
vindos do Centro de Tratamento Interno. Estranhou a bagunça do leito. Olhou
para João Maranhão e viu que segurava uns pedaços de papéis e uma caneta. Tocou
e examinou-o. Está morto.
Ela tira-lhe a caneta e os
papéis das mãos. Curiosa, leu rapidamente o texto que o velho Maranhão tinha
escrito. A primeira mensagem era: por
favor, entregue a Onório. 9888667710 (são
10 números?). Olhou o verso da folha e leu a inscrição: sou doador de um único órgão, o cérebro.
Nada mais além do cérebro.
O senhor Maranhão era dono
de duas balsas de extração de ouro no estado de Minas Gerais. Uma das balsas
fazia o percurso no Rio do Peixe, de Monte Verde a Cotegipe, um pequeno povoado
de uma antiga estação de trem, no município de Matias Barbosa. Conhecia todos
os garimpos brasileiros. Foi pioneiro do garimpo de Serra Pelada. Participou do
ciclo do ouro dos garimpos das regiões de Itaituba, Porto Velho e Alta
Floresta. Na região de Itaituba foi o primeiro a explorar os garimpos de
Cripurizinho, Abacaxi, Tabocal, Pista Nossa Senhora da Conceição. O velho João
Maranhão foi o primeiro a modernizar a extração de ouro, do método de chupadeira
de baixão para chupadeira de mergulho, nos rios Cripuri, Jamanxim, Tapajós e
Madeira. Transladou suas balsas por todos esses rios e mais o Rio Doce, Rio
Guaporé, Rio das Velhas. Tudo que arranjou no garimpo, investiu no garimpo. O
garimpo lhe dava e imediatamente lhe tirava o que lhe tinha dado. Só lhe restavam
duas balsas porque a terceira tinha naufragado no Rio Pomba a três quilômetros
de Cataguases.
Quando o dia amanheceu, Marta pegou o
celular e ligou para o numero 9888667710
(são 10 números?).
Capítulo 1
Poção de Pedras
Onório
Rodrigues procura por um objeto dentro de seu carro; quando encontrou,
guardou-o. Pegou um saco de farinha de puba e guardou-o na mala do carro. Um
conservado fuscão branco com teto solar adaptado.
O
velho Maranhão não esquece sua farinha.
Seu celular começou a vibrar e
emitir um som de alerta dentro de seu bolso.
Olhou no visor.
Desconhecido! Quem será?
Onório atendeu o celular.
– Alô?
– Senhor Onório? – disse uma voz de mulher
– descupe-me, eu sou Marta. Sou enfermeira do hospital de Juiz de Fora. Seu
amigo João Maranhão morreu e deixou uma coisa para você. Entre em contato comigo.
─ O velho Maranhão morreu?
Onório ficou imóvel sem saber o
que fazer. Veio-lhe a angústia, o temor da morte.
Foi-se um homem que poucos tiveram a chance de conhecer como eu o
conheci. Sempre querendo o novo, intelectual e misterioso. Um amigo. Um verdadeiro
amigo.
Sem acreditar, ligou para o
celular do velho. Uma voz eletrônica dizia "o número para o qual você ligou está fora de área ou desligado".
Não atende.
Onório dirigiu-se imediatamente à casa de Dona
Francisca das Chagas na Rua Ribeirão.
– Bom dia dona Francisca – foi dizendo Onório a uma
velha gorda e de aspecto doentio com um terço de rosário na mão.
– Bom-dia meu fio, ainda pu aqui. Disistiu
da viage foi?
– Não, Dona Francisca. Mas não sei como
dizer. Aconteceu uma desgraça.
Dona Francisca, rezadeira dos velhos tempos,
rezava em sua casa todos que dela precisasse. Dentro da casa, por uma porta
semiaberta, via-se uma vela acesa embaixo de uma mesa. Sigino-salomãos
desenhados no chão com giz davam um aspecto sinistro de mistério sobrenatural.
– Pois diga logo meu fio. Do que se trata?
Pra mim num tem disgraça maior que ficar longe de meu veio. Vive no garimpo a
vida toda. Nun deixa me fartar nada é verdade. É um home bom. Mas o home nun
acridita in Deus. Rezo todo dia pra Deus tocar in seu coração. Outo dia... Hô
meu fio, entra e senta! Mas qui cabeça a minha.
– Obrigado, dona Francisca – Onório entra e
se agasalha em uma cadeira de macarrão verde.
– Como tava dizendo, outo dia, quando Jão
istava aqui, ante de ir pras mina geral, disse qui tava com uns pobrema. Eu fiz
uns trabaio pra ajudar ele, mas ele sorriu de mim.
– Do que se tratava, dona Francisca? Que
Trabalho era esse?
– Meu fio Jão istava pesado e pricisava
fazer arguma coisa, mas ele num acreditou. Chamei ele pra ver cumo era verdade
e ele saiu num riso qui quase dismaia de tanto rir. Chamei pro meu quarto de oração
e mostrei a vela qui eu coloquei ali! Venia ver! – Onório entrou no quarto, viu
uma mesa com várias imagens de santos – Meu fio, a vela qui eu coloquei pra atrair
as coisa qui estava mandano pra ele, ataiou tudo. Ele me disse se algum dia eu
provasse pra ele qui o qui eu tava dizeno era verdade ele acriditava.
– E o que a senhora atalhou, dona Francisca?
– Meu fio o prato in qui eu coloquei a vela
istava cheio de bisouro, e dos grande. Sabe o que ele me disse quando parou de
rir?
– Imagino!
– Você também num acridita. Num é seu Onóro?
– Não é isso, dona Francisca. Mas é que eu
conhecia muito bem meu amigo. E certamente deve ter dito que colocaria uma vela
menor e atrairia mais mosquito do que a senhora. Porque os mosquitos parece se
alimentarem da luz, mas na verdade ele fica desordenado e esbarra em luz.
– Foi ixatamente o qui ele disse. Mas você
disse qui cuicia? Ele sempre vivia dizeno qui não murria. Qui ele era imortal.
Aquela é a sala dele. Vamo intrar pra você ver! – Onório observou a sala desorganizada
com vários papéis espalhados sobre uma mesa, uma máquina datilográfica e um
computador. Ao lado do computador tinha uma grande estante com vários livros.
Com paciência foi olhando os títulos dos livros.
Satiricon, Odisseia, O Príncipe,
Seis Dramas, Cartas Persas, Utopia, A República, Apologia de Sócrates, A
Política, O Vermelho e o Negro; Monarquia; O Código Da Vinci; Misquoting Jesus:
the Story Behind who Changed The Bible and Why; Le Ciel et l’ Enfer; La
Magdalena: El Ultimo Tabu Del Cristianismo.
– Quando ele istava aqui, passava a noite
no cumputador iscreveno um livro e quando vai imbora diz que leva o livro
impindurado no pescoço dento dun pen dravi. Meu fio você falou numa disgraça e
qui cuicia Juão! Acunticeu arguma coisa cum ele?
– Foi, dona Francisca, João Maranhão morreu.
Dona Francisca sentou em uma cadeira. Todos morrem. Até mermo Juão Maraião.
Ficou observando Onório
folheando alguns papéis.
– Se quiser arguma coisa meu fio, pode
levar. Esses livros não me seve de nadinha. Dá uns pra Aparicida. Ela é professora.
– Obrigado, dona Francisca. Vou levar alguns.
Capítulo 2
Centro educacional Manoel Oliveira
A diretora da
escola, a senhora
Juliana, inicia a reunião com o corpo docente da escola.
– Este ano está sendo incluída a disciplina de Filosofia. É uma
disciplina nova na grade curricular do ensino fundamental desde o 6º ao 9º ano.
Portanto segue o mesmo método de distribuição de disciplinas. Para completar a
carga horária devemos distribuir as diversas disciplinas entres os senhores e
senhoras, independentemente do grau ou área de formação ou aptidão. Como todos
já têm suas disciplinas do ano passado, eu pergunto: quem fica com a disciplina
de Filosofia? – Os
professores ficaram trocando olhares por um instante.
– Eu aceito – falou a professora Sofia. –
Completo a minha carga horária com a disciplina de Filosofia.
– Professora Sofia – retomou a diretora. –
Devo lhe dizer que os conteúdos abordados dentro da sala de aula têm que
obedecer rigorosamente aos Parâmetros Curriculares Nacionais e aos Temas Transversais.
– Com toda certeza, senhora diretora. Tenho
consciência disso. Dentro dos seis temas eleitos pela equipe que elaborou os
programas optarei pela ética em vista
de ser, não o único, mas o principal tema trabalhado no pensamento filosófico
contemporâneo. Não porque sou uma filósofa, estou longe disso, mas porque me é
possível abordar questionamentos sobre o papel da educação, apresentado pelos
pedagogos, e os rumos que tomou. Porque ela aponta a necessidade de “formar cidadãos”
para uma “excelente competição trabalhista” – deu uma pausa – que absurda
ideologia! Ninguém cresce com o trabalho. Essa foi uma forma encontrada por
especialistas intelectuais dominantes para escravizar ideologicamente as
pessoas a trabalharem sem nunca poderem alcançar o verdadeiro sentido da vida.
Respeitar as diversidades culturais e políticas não forma “cidadãos”, mas
subservientes. Esses conhecimentos, elaborados em convenções dominantes e
impostas à juventude, não podem ter o status de “necessário ao exercício da cidadania”.
Este não é o retorno que se espera da
contribuição obrigatória devida ao estado porque fomenta o consumo de produtos
que desqualificam o verdadeiro sentido da vida (que não pode ser viver, mas contemplar
a vida. Porque quem é vivo sempre está vivendo) e o livre exercício de sua
vontade de potência. Essa forma de ver o trabalho como realização pessoal gera
um ciclo vicioso irreversível em que cada indivíduo torna-se uma peça de
reposição fundamental da engrenagem sistematizada, tão desqualificante que a
peça “estragada e alienada” não consegue retificar-se por não saber
retratar-se. Também não consegue ratificar-se. E a vida, fundamento maior da
existência, não pode mais fluir sua plenitude.
Pretendo trazer para a sala de aula uma reflexão
sobre a liberdade de escolha. E a pluralidade cultural é um tema que me
faz crer possa permitir fazer um paradoxo discriminatório religioso.
– Discriminação religiosa, professora!
Confesso que nunca ouvir falar em tal discriminação – retrucou a professora
aparecida. – Isso já foi superado. Protestantes e católicos, Judaísmo,
Cristianismo, Islamismo e Zoroastrismo já não se enfrentam mais.
– Até mesmo a senhora pode ser uma dessas
pessoas, professora, que discrimina exatamente porque faz parte de uma religião.
A discussão hoje não está entre religiões, mas pela a falta de religião. A
falta de crença e de fé.
– Confesso que não estou entendendo. Por
acaso a professora sabe me dizer de onde nasce a fé?
– Ora, todo aquele que se julga incapaz de
crer e tem consciência disso, não precisa se convencer da existência de Deus
por provas ulteriores, mas tão somente caminhar para a fé. E a fé cresce
fazendo esforço como se acreditasse que crer. O caminho para a fé nasce indo
para a missa, rezando, acendendo vela para os mortos, tomando da água benta e
por aí vai até se tornar "mansinho". Foi assim que me perguntei por
que creio.
– Você não acredita em Jesus?
– Acreditar em Jesus é diferente de seguir
Jesus. Até porque ninguém segue. Mas seus ensinamentos são dignos de confiança no
que diz respeito mútuo. Mas saiba a senhora que Sócrates foi condenado por não
acreditar nos deuses e Jesus por acreditar demais. Eu adoro os Judeus, sabe
professora! Porque foram eles que inventaram essa grande religião monoteísta eliminando
não os deuses, mas coligindo todos em um único nome. E essa religião vigente
está baseada na adoração de alguém que foi reconhecidamente Judeu. Mas que
estupidez. Jogaram areia nos olhos do público. Jesus Cristo que todos dizem que
era, e ainda é “Deus”, não era nada mais nada menos que um homem Judeu.
Tipicamente Judeu. Pegaram um Judeu e transformaram, depois de morto, em um
Deus. Desculpe-me, senhora diretora, mas eu nunca vi uma mistura de porcarias e
de tolices mais asquerosas que essa religião cristã. Digo mais, senhora
diretora, eu não acredito que exista Deus e não acredito no dogma da
ressurreição da religião cristã, nem de qualquer religião. É tudo mentira. É
tudo conversa fiada, lengalenga e mais nada. O que existiram foram super-homens
que conseguiram mudar o rumo da história do seu tempo. Jesus foi fundamental, o
autor principal, para quebrar os ícones da sociedade de sua época. Cada
super-homem é preciso que seja lembrado como tal, mas não como Deus. Porque
suas ações foram frutos de espíritos naturais de pessoas diferenciadas, que no
primeiro momento não foram compreendidas, mas ao longo do tempo é possível
tirar desses grandes homens o que de melhor existia em suas análises. Não posso
negar que Jesus foi um grande conhecedor do espírito humano. Mas esse
conhecimento se deu por indução. Observando a si mesmo foi que disse:
"aquele que não tem pecado que atire a primeira pedra".
Capítulo 3
Depois de
esperar por Aparecida, assistindo televisão, sentado em um sofá, Onório
sai até a porta da rua, dá uma olhada para ver se ela já estava vindo. Que demora. Volta ao sofá e depois de
dez minutos ela entra.
– Desculpe a demora, estávamos em reunião
com os pedagogos da escola. Espere um pouco enquanto trago algo para beber. –
Aparecida não demorou voltar com uma garrafa de vinho e duas taças.
– E então vai mesmo viajar para Minas
Gerais? – colocando vinho na taça – fiquei sabendo de seu Maranhão.
– Estou de partida. É preciso resolver
algumas coisas por lá. Mas pretendo voltar logo.
– Jura que quando voltar vamos nos casar?
Já falei com as meninas que vão arrumar a igreja. Vai ser uma festa simples. Do
seu jeito.
– Aparecida, é mesmo necessário casarmos na
igreja e no papel?
– Por que fala assim? Não é assim que todos
casam?
– Não acredito que para uma boa convivência
seja necessário receber a benção de um padre ou selar em um papel.
– Há! É o padre que te incomoda? Não
entendo. Você sempre foi um frequentador da igreja. Quando você era adolescente
foi coroinha da igreja e participava de todas as missas e agora não quer nem falar
na igreja. O padre Jeremias vivia dizendo que você era o melhor acólito. Hoje
ele diz que você foi o melhor sacristão da matriz. O que aconteceu? Posso saber?
– Não tenho nada contra a Igreja e contra
nenhum padre. Eles poucos têm culpa.
– Culpa de quê, homem de Deus? Eu já me
divorciei e não existe nada que nos impeça agora de casar.
– Por que se casou?
– Já te falei mil vezes. Você foi para o
garimpo e passou três anos sem dar notícias. Pensei que não lembrava mais de
mim. Fiquei só com nossa filha. A minha sorte foi ter passado no concurso para
professora e a ajuda, de meio salário mínimo, que o padre Jeremias dava para
nossa filha. Esperei-te por dois anos e meio. Com seis meses de casada você aparece.
– Por que ele dava essa ajuda?
– Ele disse que fazia questão de ajudar a
filha do melhor amigo dele.
– Penélope esperou vinte anos por Ulisses.
Você não espera três? – ironizou com um sorriso maroto.
– Só que Penélope, meu amor, era uma personagem
fictícia enquanto que eu sou real. Mas sempre te amei. E você sabe disso.
– Você não é uma mulher religiosa?
– Sou, e o que tem isso há ver?
– De acordo com a Bíblia não podemos nos
casar.
– O quê! Você tem cada uma – tomou um gole
de vinho. – Por acaso você já leu a Bíblia alguma vez? O padre Jeremias, às
vezes, pedia para você fazer a leitura na missa, mas isso não significa que
conhece a Bíblia.
– Estou falando sério. Pois me diga o que
fazer se a lei de Moisés diz: “Todo aquele que se divorciar de sua mulher deve
dar-lhe um atestado de divórcio” enquanto que Jesus diz que todo aquele que se
casa com uma mulher divorciada comete adultério? E diz mais, diz ele que o ato de cometer
adultério não está só na prática sexual, mas, “Ouvistes o que foi dito: ‘Não
cometerás adultério’. Mas eu vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher
com pensamento de luxúria em seu coração já cometeu adultério com ela”. E o que
dizer de uma mulher que se encontra em tal situação como você? O seu ex-marido
lhe deu o atestado de divórcio para que você ficasse livre para um outro
matrimônio sem o risco de cometer adultério. Mas nenhum homem pôde casar com
você porque Jesus disse que ele estaria cometendo adultério mesmo você sendo
divorciada. E eu que gostaria de casar com você já cometi adultério só porque
pensei em casar com você. Como é que um homem pensa em casar com uma mulher
qualquer, se não existe nesse homem: exuberância, lascívia, sensualidade e uma
moderada libertinagem. Não é um sentimento natural e necessário para a conquista
do sexo oposto?
– Não, não e não! Isso não é justo. Deve
ter alguma coisa errada nessa lei. Não pode Deus ter feito um coisa assim. Isso
é coisa de homem. Alguém deve ter mudado. Deus disse uma coisa e Jesus outra!
Pai e filho não se entendem?
– E mudaram! – Sorrindo e agasalhando-se no
sofá. – E se nem Deus, nem Jesus disse essas coisas que estão na Bíblia? –
acrescentou.
– Quê? Por que fala assim? Quer me
assustar, é? Se bem que nesse caso...
– Não quero assustar ninguém. Mas lembras
quando nós éramos adolescentes e que na Semana Santa fazíamos aqueles teatros
representando a paixão de Cristo?
–
Como era bom, Onório. Bons tempos que não voltam mais. Você representava
tão bem o papel de Jesus rumo à crucificação no calvário. Eu era Maria Madalena
só para ficar junto de você. A Rosinha ficava muito tempo sem falar comigo.
Quando o ignorante do Agostinho batia em você com força, eu pisava no pé dele.
Ele ficava bobo da vida só porque era soldado romano.
– Pois é, minha linda. Foi naquela época
que algo me chamou atenção. – Tomou um gole de vinho.
– O que foi?
– Representávamos todos os anos, lembras?
Quando eu passava na rua as crianças diziam: mãe! Lá vai Jesus! Hei Jesus! – dando um tchauzinho
com a mão.
– Meu amor, está com remorsos de ter sido Jesus,
é?
– Não, Aparecida, não é remorso. Foi um
desentendimento que eu tive com o padre Jeremias.
– Você teve coragem de discutir com o padre
Jeremias? Meu Deus! O que eles
conversaram!? Por quê? Então é por isso que não quer casar na igreja?
– Uma pergunta de cada vez, ta bom?
– Credo! Eu hein!
– A discussão começou quando ele me deu o
texto que queria que Jesus dissesse no momento da morte. Eu ameacei-o de não
participar da apresentação. Mas ele implorou que eu apresentasse, alegando que
o povo não tinha culpa de nada. Ainda mais porque estava muito encima para
procurar um novo ator. Disse que depois eu o procurasse para uma conversa franca.
– E vocês conversaram?
– Conversamos.
– Do que se tratava? Que conversa foi essa?
– Eu perguntei para ele porque ele estava
mudando o texto da paixão de Cristo todo ano.
– Como assim, mudava o texto, eu não percebi.
Por que então ele mudava?
– Não era ele que mudava, explicou-me depois.
Era a Bíblia que tinha sido mudada.
– Você deve está ficando louco. Quem mudou
a Bíblia e por quê?
– Mudaram por várias razões. Eu comecei a
desconfiar que alguma coisa estivesse errada quando toda vez que eu estava
crucificado, antes de morrer, eu pronunciava palavras diferentes da apresentação
anterior.
– Como assim? Que palavras eram mudadas?
– Uma vez eu dizia: “Pa,i nas tuas mãos eu entrego o meu espírito.” Logo em seguida morria.
Outra vez era assim que eu dizia: “Deus
meu, Deus meu, por que me abandonastes?” logo em seguida, alguém colocava,
com uma esponja, água em minha boca, significando vinagre ou vinho. Só depois
disso eu dava um grito e morria. – Colocou vinho na taça, bebeu um gole – Mas
na última apresentação que eu fiz, não foi nenhuma dessas duas versões. Eu, na
cruz, estava olhando para vocês, as Três Marias, que estavam juntas: mamãe, a
rosinha representando a Maria de Cléofas e você, representando Maria Madalena.
Então eu disse para minha mãe que você era meu discípulo amado. Depois pedi um
pouco de bebida. Porque eu disse: “tenho
sede”. Eu não sei como adivinharam que eu ia pedir água, porque puseram ali
um vaso cheio de vinagre. Deram-me de beber em uma esponja embebida de água
amarrada na ponta de uma cana. Bebi, mas não era água, nem vinagre, era vinho.
Então eu disse: “Tudo está consumado”.
E inclinei a cabeça e morri. Na verdade, essa é a palavra: “morreu”.
– Meu Deus do céu! Só agora é que percebo
que existem as três versões. E o que pode ter acontecido? Afinal de contas,
Jesus entregou seu espírito a Deus ou foi abandonado por Deus?
– Nenhuma das duas. Talvez a última seja a
mais correta. "Tudo está consumado" é o mesmo que "tudo está
acabado" – deu um sorriso observando a perplexidade de aparecida. – Minha
querida, existia dentro do cristianismo primitivo uma briga interna entre os
cristãos.
– Por que brigavam então, que briga era essa?
– Eles brigavam por vários motivos. Ainda
hoje existem brigas, entres inúmeras igrejas, para saber qual a doutrina e o
dogma correto. Nesse caso “entregar o espírito a Deus”, “ser abandonado por
Deus” ou "tudo está consumado" era uma briga sobre a divindade de
Jesus.
– Confesso que não estou entendendo nada.
– Havia uma corrente dentro do cristianismo
primitivo cujos seguidores eram considerados “separacionistas” porque dividiam
Jesus em Dois seres. Jesus era um homem como qualquer homem, e Cristo um Deus.
De forma que Deus não pôde experimentar a morte que se separou de Jesus nesse
momento. Outra, foi a que prevaleceu, era a que dizia ser Jesus um Deus. A outra corrente, da qual compartilhava João,
era da corrente dos Gnosticismo. Esses não viam Jesus como Deus, mas um sábio
homem que pregava o conhecimento para se chegar à salvação.
– Meu Deus! Quem poderia imaginar?
– Tem muito mais. Lembras quando eu carregava
a cruz para o calvário e vocês todos me escarneciam, me chamavam de rei dos
Judeus, botaram uma coroa de espinho na minha cabeça, e veio Simão que,
forçado, me ajudou a levar a cruz. Mas eu nada dizia. Ficava o tempo todo
calado?
– Se lembro, eu era a única que ficava
aflita com tudo aquilo. Você fazia o papel de Jesus tão bem que parecia de
verdade. Aguentava todo aquele sofrimento sem dizer uma palavra.
– Só que tem um detalhe.
– Estou ouvindo.
– Na mesma cena no ano seguinte muitas de
vocês ficavam batendo no peito se lamentando. E eu tinha que falar com vocês
dizendo para que vocês não chorassem por mim, mas chorassem por vocês mesmos e
por seus filhos. Porque viria um tempo em que vocês iriam dizer que “felizes as
estéreis, e os seios que não geraram e os peitos que não amamentaram. Então
iriam começar a dizer aos montes para "cai sobre nós" e aos outeiros:
"cubram-nos". Por que, se isso fez na madeira verde como se fará na madeira
seca?".
– Jesus amado! Você está dizendo que...
– É isso mesmo, dois relatos diferentes. Um
narrado por Marcos contando que Jesus vai o calvário sem pronunciar uma palavra
sequer. E outro por Lucas que engata uma conversa desenfreada com as mulheres.
Devo lhe dizer que Marcos foi o segundo evangelho escrito, não se sabe o certo,
por volta do ano 63. É nessa ordem cronológica que se encontra na Bíblia. O
primeiro é Mateus. Marcos não foi testemunha ocular da vida de Cristo. O que
escreveu sobre Jesus foi através da amizade que teve com Paulo, Pedro e seu
primo Barnabé. Marcos foi auxiliar de Paulo no trabalho da evangelização, como
afirma o próprio Paulo em atos dos apóstolos ou em Colossenses quando ele saúda
Marcos. Para falar a verdade, não existiu nenhuma pessoa, na época de Jesus,
que pudesse acompanhá-lo em todos os lugares. Todos, por algum motivo, não
puderam acompanhá-lo. Problemas de saúde, necessidades fisiológicas e quantas
que possam ser possíveis. Certamente ficavam aqueles fuxicos: “E aí! Ele disse
algo interessante quando eu estava ausente?” “Há! Sim, ele falou que vai
ressuscitar em dois dias". – O outro: – Não, ele disse que seria em três
dias”. – Um outro: – Que interessa quantos dias o importante é ressuscitar"!
"Ressuscitou Lázaro não vai ressuscitar a si mesmo; aliás, não há motivo
para duvidar da ressurreição visto que vimos que Lázaro estava morto e ele o
ressuscitou." – Não consigo entender como os discípulos de Jesus não
acreditaram nele quando o abandonaram no caminho do calvário. Já que não só a
ressurreição de Lázaro foi presenciada por eles como também a ressurreição do
filho da viúva da cidade de Naim. Lucas diz que “ia com Jesus seus discípulos e muito povo”. Muito povo que acompanhava
Jesus e muito povo que levava o defunto para ser sepultado. Nessa oportunidade,
até o profeta João foi incrédulo e mandou dois de seus discípulos perguntarem a
Jesus se era ele mesmo o enviado ou teriam que esperar por outro. O profeta não
reconheceu o objeto profetizado. Por ironia Jesus diz aos dois enviados por
João dizendo: “os cegos veem”, os coxos
andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, “aos
pobres é anunciado o evangelho”. – Bando
de idiotas – teria dito Jesus – faço
tudo isso em tempos difíceis e querem outro melhor do que eu! – Ou aquele
povo sofria de amnésia ou nada disso aconteceu. Por que se alguém conseguir
hoje ressuscitar um defunto quem duvidaria que ressuscitasse a si próprio? Mas
existe um bando, de idiotas, analfabeto que diz que a bíblia tem que ser interpretada.
Nisso eu concordo. Mas qualquer interpretação que não está de acordo com suas
concepções fanáticas, não é correta. Portanto, quando a interpretamos dizem que
não é a interpretação correta. Bando de imbecis! E por que eles, que são uns
analfabetos, não dizem a interpretação correta para os que são críticos textuais
de oficio? Minha querida, basta você contar um fato para uma pessoa e pedir que
ela divulgue o fato. Pergunte sobre o
fato que você iniciou, contando para uma quinta pessoa se o fato mudou ou não.
– É verdade. E essa é uma dinâmica que costumo
usar com meus alunos. Mas não acredito! Talvez porque um deles se esqueceu de
contar.
– Ou acrescentar, você que dizer. Se
observar o que está escrito no primeiro capítulo de Lucas, logo em seu prólogo,
como ele mesmo diz que apesar de muitos já terem narrado a história, até mesmo
os que presenciaram, parecia também, a ele, que nada presenciou, conveniente,
depois de muita investigação escrever para seu amigo Teófilo (amigo de Deus) os
fatos de todos já conhecidos.
– Ele disse isso foi?
– Com todas as letras e, se não acredita–
Onório pegou uma pequena Bíblia de bolso e abriu no exórdio de Lucas. – Olhe! –
Aparecida leu.
Visto que muitos já
tentaram pôr em ordem a narração das coisas que entre nós se realizaram, como
nos já contaram, todos aqueles que desde o princípio as viram e foram encarregados
da palavra, pareceu-me também a mim, depois de ter investigado com muito
esforço tudo desde o principio, escrever-te por ordem, excelentíssimo Teófilo,
para que conheças a solidez dos ensinamentos dos quais recebestes.
– Santo Deus! Lucas então usou
outras fontes para escrever seu evangelho. Copiou Tim-Tim por Tim-Tim o que
achava conveniente. E o que achava que não estava de seu agrado mudou. E é esse
texto que venho acreditando o tempo todo como sendo um texto inspirado por
Deus?
– Nossa! Você também não é professora por
acaso. É exatamente assim. Mas você não viu nada ainda, quantos livros da
bíblia você já leu? Não digo um capitulozinho aqui outro acolá. Mas um livro
todo. Pode ser do velho ou do Novo Testamento.
– Para ser sincera, nenhum.
– E essas pessoas que vão constantemente à
missa ou a um culto com a Bíblia debaixo do braço, você acha que algumas delas
leem?
– Tens razão no que dizes, meu amor. Sou
professora e lhe garanto que mesmo que lessem não conseguiriam interpretá-las
porque na sua maioria são analfabetos funcionais. E aqueles que sabem ler não
têm o hábito da leitura. Nem todo mundo tem capacidade de fazer uma crítica
literária de um texto e não tem conhecimento de teoria literária.
– Não tem esses conhecimentos que você
citou, é verdade. Mas também não tem atenção no que está sendo lido e aceitam
tudo como sendo a palavra inquestionável de Deus.
– Não posso dizer que não tem razão.
– O padre Jeremias sempre pedia para que eu
lesse uma passagem qualquer da Bíblia que ele escolhia para seu sermão. Para
enfatizar a importância da mulher no Dia Internacional das Mulheres ele me
pediu para que eu lesse “as santas mulheres no sepulcro”. Antes de começar a
missa eu fui dar uma lida para não tropeçar na leitura. Na missa, quando chegou
o momento e a hora da leitura, eu perguntei ao padre Jeremias qual leitura das
santas mulheres ele queria que eu lesse. Ele me perguntou do que eu estava
falando. Eu disse para ele que encontrei quatro versões das “as santas mulheres
no sepulcro”. Qual das leituras eu devo ler: A que fala que Maria Madalena e a
outra Maria que foram, as duas, ao amanhecer do primeiro dia da semana ao sepulcro.
Ou Maria Madalena, Maria mãe de Thiago e Salomé foram, as três, no primeiro dia
da semana, ao sepulcro. Ou Maria Madalena, Joana, Maria mãe de Thiago e as
outras mulheres que estavam com elas, um grupo de mulher, foram ao sepulcro no
primeiro dia da semana. Ou aquela que Maria Madalena foi sozinha ao sepulcro no
primeiro dia da semana?
– Você está de brincadeira! E o que ele disse?
– Você não vai acreditar! No primeiro
momento ficou perturbado. Mas se refez e disse: “Aquela que Maria Madalena vai
sozinha ao sepulcro, ninguém sabe da verdade mesmo e esse povo aí não sabe de
nada mesmo”. Então eu abrir o evangelho de João e li em alta voz: “Jesus aparece
a Maria Madalena”. – Pararam de conversar por um instante. Tomaram vinho.
Onório organizou os livros.
– Pois bem, vou deixar com você estes
livros e estes papéis. Estava na biblioteca do velho Maranhão. Você não imagina
o que ele estava escrevendo. E esses papéis, alguns são rascunhos. Outros são
cópias de relíquias encontradas em Nag Hammadi em 1940, no Egito.
– E o que diz aí?
– Minha querida, estes são alguns dos
livros que não foram aceitos pela igreja cristã primitiva como não sendo
inspirados. Não sei se é possível
escrever um livro sem inspiração. Mas que agora e aos poucos estão sendo revelados
ao público. Não resta dúvida de que se trata de palavras pronunciadas por
Jesus. Se é que as da bíblia também as
são. E não é só isso, andei pesquisando depois de minha conversa com o
padre Jeremias, e encontrei varias histórias, de antigos povos, que foram
escritas antes dos primeiros livros da bíblia. Alguns idiotas acham que os relatos da bíblia foram os primeiros.
Quando Jesus morreu houve correntes diversas sobre quem era Jesus e o que ele
queria. Das correntes que mais disputaram a primazia foram os Ortodoxos e os
Gnósticos. Como em toda luta há um vencedor e um perdedor, os ortodoxos
ganharam dos Gnósticos. Mas vale dizer que os Ortodoxos só venceram com a ajuda
do estado. O poder constituído e o poder
da mentira juntos.. A igreja reunia
todos os seus bispos para tratarem de assuntos de interesse da igreja. Os
chamados Concílios Ecumênicos. Esses concílios estabeleciam o que devia ser
aceito como definitivamente certo na doutrina da igreja. O primeiro concílio
foi convocado pelo Imperador Constantino na cidade de Nicéia no ano de 325.
Constantino estava envolvido, por um lado, com controvérsia cristã e
eclesiástica e, por outro lado, enfrentava seus três co-regentes e para se
tornar imperador único derrotando seus adversários diretos teve a feliz ideia
de se juntar aos cristãos e promulgar o Édito de Milão. Mas esse decreto foi
uma condição imposta pelos cristãos. Como ato administrativo, Constantino, a
pedido de alguns bispos, construiu a igreja do Santo Sepulcro e a capela de sua
mãe, agora então Santa Helena. A capela de Santa Helena foi construída no local
indicado por ela como sendo o local em que ela encontrou a cruz em que Jesus
foi crucificado. A cruz encontrada por Santa Helena estava em uma cisterna no
monte calvário. Ela chegou nesse local por uma visão que teve. Para a mãe de
Constantino, a Rainha Helena, a igreja o beatificou como gratidão ao imperador
Constantino. A cruz encontrada pela Rainha Helena quase meio milênio depois,
acredite se quiser, estava intacta sem nenhuma mancha de sangue nem perfuração
alguma. A construção da basílica foi construída com estruturas religiosas
pagãs. A entrada principal da basílica só tem duas passagens, mas uma, a da
direita, é vedada. Toda essa simbologia faz analogia aos dois caminhos do bem e
do mal. Em maio de dois mil e nove, na basílica, o papa bento XVI proferiu a
frase: "o madeiro da cruz revela a
verdade a respeito do bem e do mal". Foi nesse concílio que ficou
estabelecido, como dogma, que Cristo era filho de Deus e Igual ao Pai. Porque
esta era a proposta apresentada pelo bispo Atanásio contra a proposta do bispo
Ário de Alexandria que pregava que Cristo não era Deus e, portanto, não era
igual ao pai. A união das correntes: arianismo, nestorianismo, gnosticismo,
maniqueísmo, milenarismo e outros não foram páreos para Constantino e Atanásio,
que decidiram em votação apertada a divindade de Jesus. Foi a vitória dos ortodoxos contra os gnósticos.
Enquanto que ortodoxia significa fanatismo, gnosticismo significa sabedoria.
Daí por diante, de uma forma ou de outra, a igreja não mais se separou do
estado. Posso dizer que Napoleão fez um rompimento parcial entre estado e
igreja. O Imperador Teodósio tornou-se cristão, oficializou o cristianismo e
aboliu o paganismo. Ou seja, os outros
Deuses que se danem! Agora é Javé.
– Isso significa que se os gnósticos
tivessem vencido a luta contra os ortodoxos teríamos uma doutrina de Cristo
diferente da que se tem hoje? – perguntou Aparecida.
– Com toda certeza! Quando os gnósticos
perderam a luta alguns tiveram a ideia de esconder seus escritos que passaram a
ser chamados, pelos ortodoxos, de livros apócrifos, que significam falsos.
Mesmo sendo esses livros escritos por pessoas que estavam sempre ao lado de Jesus
como sua companheira inseparável, Maria Madalena. E outros como seu irmão
Thiago e seu discípulo Tomás.
– Maria Madalena escreveu sobre Jesus?
– Com toda certeza. E você tem aí em suas
mãos o que ela andou escrevendo. Dizem até que o evangelho de João pode ter
sido escrito por Madalena ou pelo menos foi ela quem contou os mínimos detalhes
que ocorrem na ida e vinda ao sepulcro quando dois discípulos de Jesus tomam um
duelo na corrida ao túmulo ou a primazia da Igreja.
– E como esses livros apareceram?
– Bem, como já disse, quando os gnósticos
perderam a luta contra os fanáticos ortodoxos tiveram de esconder o que escreviam
e, ao que parece, um eremita cristão de nome, São Pacômio, tinha alguns desses
livros. Quando ele morreu construíram um mosteiro em uma aldeia de nome Nag
Hammadi nas proximidades de Djebel-el-Tarif, no Egito. De forma que os monges
esconderam os manuscritos para não serem destruídos pelos fanáticos e perversos
ortodoxos. O certo é que em 1940, um homem de nome Mohamed Ali es-Samman, em
companhia de seus irmãos encontraram, dentro de uma âncora (jarra de barro) no
mosteiro, hoje ruína, de São Pacômio, esses manuscritos.
– Que histórias são essas? O que dizem
esses manuscritos?
– Espere um pouco. – Onório foi até o carro
e voltou com alguns outros livros. – Esses livros estão sempre comigo. – Onório
folheou um livro e disse: - Antes que mostre os escritos de Nag Hammadi vou lhe
mostrar, primeiro, outros escritos mais antigos que inspiraram os escritores do
Antigo testamento. Entre tantas histórias de inúmeros povos ao redor do mundo,
contam histórias referentes ao dilúvio. O relato do dilúvio faz parte da história
do mundo e pode ser encontrado em todas as mitologias. Esotericamente tem o
objetivo de explicar as terríveis e destruidoras inundações que aconteceram ao
longo dos séculos que de alguma forma transformaram a geografia dos antigos
países e o modo de vida da população que sobreviveu aos cataclismas que ainda
hoje aterrorizam e causam pânico. Numerosos dilúvios parciais ocorreram em
todos os continentes. Aqui no Brasil, quando assistimos à televisão, o que
vemos, nesse ano de dois mil e nove, são inúmeros dilúvios. Então nos damos
conta de como ocorreram dilúvios regionais em Santa Catarina, em Trizidela do
Vale aqui pertinho de nós, em Altamira no Pará, entre outros lugares. A diferença
dos antigos dilúvios para os de hoje está na nomeclatura: enchente, inundação.
Também existe a diferença de conhecimento de mundo e época. Como alguém pode imaginar
que algum dia a terra ficou submersa de água? Penso que para isso acontecer,
toda água existente no planeta, a que está em forma de gás na atmosfera deveria
se condensar e, a líquida que permeia a litosfera, e esta não absorvendo,
emergir para a superfície terrestre. Rompendo seu circulo e a morte dos seres
vivos não aquático dava- se por falta de oxigênio no ar. Uma inundação que ocorria na Mesopotâmia era
imaginada, na época, que se tratava de toda terra. Ou somente foram figuras
hiperbólicas dos poetas da era antiga. De certa forma posso afirmar com
convicção, minha querida, que muitos dos relatos que encontramos na bíblia,
foram compilados, plagiados e inspirados por outros escritos anteriores à
Bíblia. Razões para isso são inúmeras. Primeiro porque os primeiros escritos
bíblicos começaram por volta do século dez antes da nossa era; a partir de
tradição oral. Segundo, não foram os Hebreus que inventaram a escrita e nem os
primeiros a escreverem textos. Não é necessário inventar para ser o único a
utilizar melhor a invenção, mas um povo que, como eles mesmos contaram, viviam
na época dos primeiros escritos bíblicos como sendo nômades. Certamente
assimilaram as culturas dos povos em que tiveram contatos ao longo de sua
história. Lemos sempre na Bíblia, principalmente no Velho Testamento, porque
até mesmo a Bíblia se parte em duas partes, Deus castigando seu povo por ter se
desviado da sua lei e por ter principalmente adorados outros deuses. Não é de
se admirar que alguns de seus líderes possa ter copiado ou adaptado, para o seu
povo, às histórias contadas por onde passavam. Porque se não foi com base em
textos mesopotâmicos, egípcios e outros que construíram vários livros do antigo
testamento, mas foi por contos de superstições e lendas populares passados de
boca em boca pela comunidade. O certo mesmo é que as duas formas contribuíram
para o ensaio da Bíblia. E quase nada que está escrito na Bíblia não foi tirado
da época pagã. A começar pelo relato da criação. Assim como Javé, que significa
“aquele que é”, também Urano, céu e, Gaia, a terra, surgiram do nada. Do Nada
surgiram e se transformaram em tudo. Nada pode surgir do nada. Ora, não se ver
que o nada está contido no tudo! Caso contrário, o tudo não pode ser tudo
faltando o nada. A primeira mulher, Pandora, protótipo de Eva, não conseguiu
resistir à sua curiosidade, abriu um jarro onde estavam depositados todos os
males da humanidade e no fundo do qual se encontrava a esperança consoladora. O
escritor de Gênesis só mudou o objeto jarro, para árvore. O dilúvio também foi
o meio encontrado por Zeus para castigar a humanidade. Todos morreram, exceto
Deucalião, protótipo de Noé, filho de Prometeu, e sua esposa Pirra. Portanto, o
relato do dilúvio não é uma exclusividade da Bíblia, mas dos pagãos que primeiro
criaram essa lenda mitológica. Sem falar
do céu e do inferno que só mudaram o nome dos guardiões. Devo dizer que os
persas foram quem mais influenciou os fundamentos, opostos, do judaísmo e
consequentemente do cristianismo. Tendo em vista que o deus Ormuz-Mazda era o
deus do bem e Arimã o deus do mal. Ambos viviam em eterno confronto e o povo
tinha o livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal e era seu próprio
responsável pela sua escolha no dia do juiz final. Conforme a escolha iria para
o paraíso ou inferno. O zoroastrismo é a religião do profeta Zoroastro que
viveu por volta de 1200 a.C. no atual Irã, que contribuiu para o cristianismo
as ideias de anjos, juízo final, céu e inferno. Basta dizer que os Hebreus
viveram, primeiramente, nas proximidades de Ur. Uma cidade suméria da Mesopotâmia.
Ur não foi só a primeira cidade a se formar no mundo, mas foi a mais importante
cidade como centro religioso e populacional. Pelas evidências históricas foi
por volta do século dezoito que os hebreus saíram dos arredores de Ur para a Palestina.
Veja uma história, talvez a principal história, não a única, da Mesopotâmia,
que inspirou Moisés na narração do dilúvio que se encontra na Bíblia e que não
se refere somente ao dilúvio, mas também à implantação do jardim do éden entre
outras. A história é a de Gilgamesh, um herói lendário que viveu na Mesopotâmia
e partiu em busca da eternidade, enfrentando, dentre outros obstáculos, um dilúvio.
Tudo leva a crer que Gilgamesh pode ter realmente existido e governado os
sumérios por volta de dois mil e seiscentos anos antes de Cristo. Mesmo não
sendo esta história a verdadeira história, vestígios indicam que nessa época os
rios Tigres e Eufrates sofreram violentas cheias. As cheias foram tão grandes
que os sumérios dividiram suas histórias em antes e depois das cheias. A
história, adaptada, é essa. Mas como você é professora ler(????) em voz alta.
Aparecida pegou o livro e começou a ler.
Gilgamesh, o rei de Uruk,
muito arrogante e tirânico, irrita os deuses com seu comportamento. Os deuses
não querem que os humanos tenham o seu modo de ser e de viver próprio. Então Aruru, a grande deusa-mãe, modela o
barro e cria Enkidu que passa ser então irmão de Gilgamesh.
”Criei Enkidu com a missão de
domesticar Gilgamesh porque os humanos têm a obrigação de obedecer a seus
criadores. Temos necessidade disso, de ser adorados. É a única forma de existirmos.”
Gilgamesh sonha.
“Sonhei esta noite que estava vindo me visitar meu irmão. Façamos uma
festa de orgia essa noite e convidamo-lo. Mande uma bela mulher para conduzi-lo
à cidade porque nós não nos conhecemos.”
“E digamos: vinde, pois, Enkidu, à Uruk de baluartes,
onde as gentes são resplendentes em seus trajes festivos,
onde cada dia é como um dia de festa.".
A mulher seduz Enkidu.
“Vai haver uma festa hoje à noite, não deixe entrar nessa festa aquele
que eu beijar.” Quando chegou à festa, a mulher beija Gilgamesh. Enkidu, agora
enciumado e indignado, sem saber que se tratava de seu irmão anfitrião, tenta
impedir a entrada de Gilgamesh na reunião. Desafiado em seu próprio reino,
Gilgamesh luta com Enkidu. Enkidu é facilmente derrotado e começa perder as
energias. A raiva de Gilgamesh desaparece no momento que percebe a manobra dos
deuses. Os dois ficam amigos e juntos resolvem enfrentar a ira dos deuses. Então
Gilgamesh empreende uma série de desafios para os deuses.
“Querem tudo. Podem tudo. Vou recuperar as forças dele e ninguém vai me
impedir. Vamos meu amigo! Vamos até à montanha dos cedros, procuremos por
Ishtar que fica no vale do Eufrates.”
Os dois seguem rumo ao vale do Eufrates. Quando chegaram à montanha
enfrentaram e mataram Kumbaba, o guardião da montanha. A deusa Ishtar ficou
encantada com a beleza de Gilgamesh por quem ficou perdidamente apaixonada. Mas
o rei não queria se envolver com nenhuma mulher antes de recuperar as forças
enérgicas de Enkidu. A deusa não compreendeu a recusa e ofendida, pediu aos
deuses para condenar Enkidu à morte, motivo de seus dissabores.
Enkidu sonha.
“Meu amigo, essa noite sonhei
que os deuses estavam reunidos em assembleias decidindo o meu destino a pedido
da deusa Ishtar e a decisão, por unanimidade, foi pela minha morte. Já estou
sentindo os efeitos da sentença.”
Enkidu passa doze dias
debilitado e antes de dar o último suspiro diante do amigo diz: “Vejo meu irmão
que logo, também, irás morrer.”.
Gilgamesh resolve, então, iniciar uma busca pela eternidade. Decidiu ir
para Shuruppak pedir o segredo da imortalidade ao rei Utanapishtim,
sobrevivente do dilúvio primordial e escolhido pelos deuses como guardião da
eternidade. O dilúvio havia sido planejado pelas dinvindades para dar fimàa
humanidade. Mas Ea, a deusa das águas disse:
“Utanapishtim, construa uma
enorme arca e coloque nela todas as sementes de seres viventes. A semente dos
seres viventes andrógino hermafroditas, coloque uma de cada; os seres viventes
que nascem de brotos, uma muda de cada; e dos que se reproduzem por sexos, duas
de cada. Porque os deuses decidiram inundar toda a terra. Mas não é justo que a
vida desapareça por razões óbvias e egoísmo divino. Eles não sabem que só
existimos por conta dos humanos?”
Utanapishtim constrói uma grande arca e coloca uma semente de todos os
seres viventes hermafroditos e de todos os seres viventes que nascem por
brotamento. E dos seres viventes que se reproduzem por sexo, colocou uma semente.
E guardou nela sementes de todos os seres viventes.
A viagem de Gilgamessh.
Em sua viagem em busca do segredo da eternidade, Gilgamesh sofreu as
agruras da fome, lutou contra os animais selvagens e contra os
homens-escorpiões que seguram o céu. Chegou ao jardim de delícias e saciou sua
fome do fruto da árvore que se encontrava no meio do jardim. O fruto lhe deu
energia para atravessar o mar primordial e as águas da morte. Quando Gilgamesh
chegou a Shuruppak, ali apresentou seu pedido a Utanapishtim, que lhe contou
toda história de como escapou do dilúvio. Falou da construção do navio
orientado por Ea, a deusa das águas e da sabedoria. De como ela lhe aconselhou
a construir a arca. Falou da imortalidade.
Utanapishtim entrega a Gilgamesh o segredo da eternidade.
“Você é corajoso e sábio, o segredo da eternidade segue um ritual:
primeiro é permanecer acordado seis dias e sete noites porque foi o tempo da
criação.” Gilgamesh estava muito esgotado da longa viagem e das lutas e só
consegue dormir seis dias sem parar, mas fica acordado durante as noites.
Utanapishtim tenta ajudá-lo, visto que não conseguiu a eternidade,
revelou-lhe o segredo da juventude; conduziu Gilgamesh a uma fonte onde ele se
banhou e depois disse:
“Se queres sua juventude de volta vá até ao fundo do mar cósmico onde
cresce a rosa, (a flor-de-lis) a planta da juventude eterna.”.
Gilgamesh mergulhou até o fundo das águas e pegou uma rosa. Quando
adquiriu a juventude, agradeceu Utanapishtim e iniciou o caminho de volta para
Uruk. Depois de andar por muito tempo, já no Jardim das Delícias, parou para
refrescar-se em uma fonte, comer novamente do fruto da árvore que estava no
centro do jardim e descansar na sombra da árvore. Enquanto dormia uma serpente
enviada pelos deuses roubou-lhe a preciosa açucena e comeu-a, adquirindo assim
o poder de trocar de pele e recuperar a juventude.
– Estou impressionada com
a semelhança. E como professora, também de história, não posso negar a
veracidade do texto. Por várias vezes li esse texto e garanto que é muito
antigo. Até mesmo, mais antigo, que os primeiros escritos da Bíblia com uma
vantagem grande de diferença de séculos. Mas confesso que nunca tinha percebido
tamanha semelhança.
– Você não percebia a
semelhança, minha querida, porque você só lia esse texto, mas não o que está na
Bíblia. Como todos os textos, esse também, com o tempo foi sofrendo modificações
para se adequar aos tempos. Mas a sua essência permanece. O tema e o conteúdo
da mensagem são o mesmo. Assim como a Bíblia, que também sofreu modificação ao
longo do tempo, por inumeráveis razões, esses textos foram modificados. No que
se refere à Bíblia, literatura importantíssima não somente para os cristãos,
ela também sofreu alterações. Seja, por exemplo, por não saber escrever. Como
afirma o Pastor de Hermas em um livro que escreveu e que por pouco não foi
incluso como um dos livros do novo testamento, mas pertence ao Códice Sinaítico.
Ele, personagem real, depois de um sonho, porque a bíblia está recheada de
relatos de sonhos, visões e aparições. Até
a jumenta de Balaão fez um belo discurso. Ele diz o seguinte – Onório pegou
um livro, procurou a página e mostrou a Aparecida. – Tome, dê uma olhada nisso.
Veja como os escritores da época tinham dificuldade de escrever os textos não
só pela falta de iluminação para escrever à noite e equipamentos sostificados,
mas também, principalmente, porque não sabiam ler nem escrever. – Aparecida
pegou o livro e começou a ler:
“Eu peguei um papel e fui para outra parte do campo, onde copiei todo o
conjunto, letra por letra, mesmo sem
saber distinguir as silabas. E, ao final, quando completei as letras do
livro, ele foi de repente arrebatado de minha mão; mas não vi por quem.”
– Caraca! Tudo ficção. E ainda diz que foi
arrebatado da mão dele sem saber por quem! Típico
da Bíblia. – A parecida olhou para Onório – estou pasma!
– Modificaram a bíblia
porque não eram copistas profissionais e também intencionalmente como percebeu
um padre da igreja de nome Orígenes que escreveu o seguinte sobre o assunto.
Pegou-lhe o livro das mãos de Aparecida. Abriu-o em uma página. Entregou o livro
de volta.
– Ler! – Aparecida leu:
"As diferenças entre os manuscritos se tornaram gritantes, ou pela
negligência de algum copista ou pela audácia perversa de outros; ou eles descuidam
de verificar o que transcreverem ou, no processo de verificação acrescentaram ou apagaram trechos,
como mais lhes agrade.”.
– Meu Deus!
Onório, sem tomar o livro das
mãos de Aparecida passou uma página.
– No mesmo sentido um pagão por nome Celso
escreveu isso – apontando com o dedo. – Aparecida leu.
“Alguns fiéis, como pessoas embriagadas que se agridem a si mesmas, manipularam o texto original dos evangelhos
três ou quatro vezes, ou até mais e o alteraram para poderem opor negações
às criticas.”
– Então isso significa que podemos ler
coisas que Jesus não disse?
– Exatamente! E os próprios evangelistas
sabiam disso. Não é sem razão que o autor do Apocalipse diz – mostrando a bíblia.
“Eu atesto a todos os que ouvirem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhes fizer qualquer acréscimo,
Deus lhe acrescentará as pragas descritas neste livro. E se alguém tirar qualquer coisa das palavras do
livro dessa profecia, Deus lhe retirará a sua parte da árvore da vida e da
cidade santa, descrita neste livro.”
– Veja que ameaças ele
fez para quem adulterasse seu livro. Nessa época não tinha direitos autorais. Ameaçar
com o provável castigo de Deus era a lei. Seguindo no mesmo sentido, Rufino, pesquisador cristão, escreveu o seguinte – abriu o livro em outra
página e apontou o texto para aparecida ler.
“Na presença de Deus pai, de seu Filho e do Espírito Santo, conjuro e
suplico a todo aquele que vá transcrever ou ler esses livros, por sua crença no
reino que há de vir, pelo mistério da ressurreição dos mortos e pelo fogo
perpétuo preparado para o demônio e seus anjos, que, assim como ele não
possuiria por herança eterna o lugar onde há choro e ranger de dentes e onde o
seu fogo não se apaga e seu espírito não morre, nada acrescente ao que está escrito e dele nada exclua, que não faça
inserção ou alteração alguma, antes compare sua própria transcrição com as cópias
a partir das quais a fez.”
– Para mim, já não resta dúvida de que existem
adulterações nos textos da Bíblia.
– Digo, minha querida, que o relato
mitológico do herói Gilgamesh foi umas das fontes de inspiração para o autor de
Gêneses. Principalmente quando se refere ao dilúvio. Tanto pela idade do documento,
com mais de quatro mil anos, como pelo modo de vida dos dois povos, Sumérios e
Hebreus. Os Sumérios viviam de forma sedentária na Mesopotâmia e criaram a
escrita; nada mais natural para os inventores da escrita produzir textos escritos.
E se o referido texto não foi escrito antes de Gêneses, era contado oralmente
pelos Sumérios e transformado em texto. Se a escrita do relato já havia sido
escrito, foi compilado ou plagiado pelo autor de Gêneses. Porque eram os
Hebreus que viviam de forma nômade na região da Mesopotâmia e nada produziram
de tão notório além de textos. Gilgamesh pode ter sido um personagem real
porque tem as tendências e os problemas comuns aos homens: necessidade de
amizade, o senso de felicidade, o desejo de fama e glória, o amor pela aventura
e pelos grandes feitos, a angústia da morte e anseio pela imortalidade. Assim como
Adão, perdeu a imortalidade por meio de uma serpente que lhe roubou a fruta em
um jardim.
Mas não foram somente os povos do velho
mundo que escreveram algo parecido e tão semelhante com os que existem na
Bíblia. Nós também produzimos. Distante do velho mundo o homem americano também
criou suas lendas muito semelhantes daquele povo. Mais incrível é perceber que
não havia nenhuma forma de contato entre um mundo e outro até o século quinze
da nossa era. Tudo indica que nossos ancestrais americanos evoluíram do Homo Sapiens que certamente, de
algum modo, atravessou o Estreito de Bering. Se não foi obra da natureza a formação do gelo que possibilitou sua
travessia; quem pode negar a possibilidade de um jovem casal de sapiens ter
fabricado "uma barca" para atravessar o estreito? Ou então foram
carregados, pelo vento, sementes humanas para os continentes? Ou que uma Pangea
possa ter existido e na separação dos continentes isolou os seres humanos agora
separados pelas águas? Foram os Incas, povo que vivia na faixa de terra em
que atualmente situam-se o Peru, a Argentina, o Equador, o Chile e a Colômbia, como todo povo, tiveram suas
histórias. Seus governantes também eram considerados mensageiros divinos ou
simplesmente filhos direto dos deuses. Há uma narração que conta o seguinte –
Onório enquanto conversava abriu uma página de um outro livro e entregou a
Aparecida. Ela então leu:
O Deus Sol,
criador do mundo e dos humanos, disse a Manco Capac e Mama Ocllo:
– reúnam todas as tribos em
comunidades, porque vou lhes dar uma terra que emane leite e mel para que possam
viver e me adorarem como o único Deus. Também lhes darei uma lei para que possa
ensinar a todos como viver civilizadamente em comunidades. Vou lhes mostrar o
“umbigo do mundo”, que quer dizer centro do mundo. Manco Capac fica encarregado
de procurar o umbigo do mundo e Mama Ocllo de orientá-los na procura.
Manco Capac pergunta.
– Senhor, como saberei onde
fica esse lugar no meio do mundo que
emana leite e mel?
Deus respondeu:
– Pegue seu cajado e enterre
no solo no vale de Cuzco. Onde o bastão enterrar sem o menor esforço, é lá que
fica o umbigo do mundo. No primeiro golpe do cajado fundem um reino. Porque sou
o seu único Deus. Sou vosso pai, que dá a luz, a claridade e o calor, derrama a
chuva e o orvalho, empurra as colheitas, multiplica as manadas e não deixo
passar nenhum dia sem visitar o mundo.
O casal celestial partiu do
Jardim do Éden, que também se chamava Ilha do Sol, nas proximidades do lago
Titicaca. Manco Capac com seu cajado e Mama Ocllo com seu fuso de Prata. Na
saída tiveram que enfrentar muitos obstáculos. Porque o lago Titicaca estava
cheio. Como a função do bastão era somente para encontrar o centro do mundo,
não foi possível abrir as águas do lago Titicaca com o poder do bastão. Então
Manco Capac pediu que todos tirassem seus pingentes de ouro para que pudesse
fabricar uma barca de ouro. Com o ouro derretido foi possível fabricar uma
balsa e atravessar o lago. Quando chegaram ao vale do Cuzco, depois de várias
tentativas de enterrar o cajado no solo, porque por toda parte tentava enterrar
o cajado, mas a terra recusava, continuava buscando. Manco Capac conseguiu, sem
o menor esforço, enterrar o bastão no solo próximo ao monte Wanakaui. Esse foi
o lugar onde a terra tragou o cajado e um arco-íris ergeu-se no céu como sinal
de aliança entre Deus e os incas. Como o povo tinha se desviado do Deus que os
conduziu, ficaram sem casa e viviam em buracos e ao abrigo de rochedos comendo
raízes sem saber tecer o algodão nem a lã para se defenderem do frio. Manco
Capac, já velho, pediu a Wiracocha que tomasse seu lugar. Manco Capac subiu ao
monte Wanakauri para falar com Deus para pedir uma lei e que enviasse um filho
e uma filha a terra, como redentor, para iluminar o caminho dos cegos e todos
aqueles que não querem enxergar. Depois de quarenta dias no monte Wanakauri,
voltou com duas tábuas contendo as leis que regulavam uma boa convivência entre
os incas. Foi nesse lugar que os filhos do Deus Sol
estabeleceram suas moradas e construíram a cidade de Cuzco. Manco Capac, com a
lei de Deus, instruiu os homens nos trabalhos da agricultura, e Mama Ocllo
ensinou às mulheres a profissão da
fiação e da tecelagem.
– Fico
imaginando por que o que está na Bíblia é digno de confiança como sendo
verdadeiro e essas histórias não o são
Se concordarmos que esses escritos não passam de lendas, fruto da
imaginação, por que a Bíblia não o é?
– Foi o que você disse, “se concordamos”. A
Bíblia, para os cristãos, é convencional assim como o Alcorão para os
mulçumanos. A divindade de Cristo foi votada em um concílio, o de Nicéia. E o
que o concilio é, senão um acordo. Foram vários concílios para concordarem que
tipos de livros poderiam fazer parte do Cânon da Bíblia e que para os
conciliadores eram inspirados. Livros como a companheira inseparável de Jesus e
de apostolo como Thiago foram descartados. Mas não pense você, minha querida,
que estou exauriente de cognicibilidade. Também o jeito de orar provém dos
mesopotâmicos. Também foram os primeiros a representar Deus sob a forma humana.
Observe esta prece Suméria dedicada aos deuses. O autor pede perdão a Deus por
qualquer transgressão que possa ter cometido. Em sua oração de súplica, o
orador reconhece que pode ter cometido algum pecado e transgredido a lei de
Deus. Mas , sem conhecer que transgressão cometeu e nem o Deus que ofendeu, diz
que a raça humana não conhece a vontade divina e é por isso que está sempre
cometendo pecados. Então se não conhece a vontade de Deus, este deve ser misericordioso
e deve perdoar as transgressões. Os primeiros livros da Bíblia vieram logo suprir
essa necessidade. Mostrando, não somente como foi criado o mundo, mas o que ele
queria. Isso para que ninguém pudesse alegar falta de conhecimento. A reza é
essa, dê uma lida. – Aparecida leu:
Por ignorância comi o que meu Deus proibiu;
Por ignorância entrei onde minha deusa proibiu;
Ó senhor, muitas são minhas transgressões; grandes meus pecados;
Ó Deus que conheço e que não conheço, muitas são minhas transgressões,
grandes meus pecados;
As transgressões que cometi, na verdade desconheço;
O pecado que pratiquei, na verdade desconheço;
A coisa proibida que comi, na verdade desconheço;
O lugar proibido no qual entrei, na verdade desconheço;
O senhor com ira no coração olhou para mim;
O senhor com fúria no coração defrontou-se comigo.
Tomaram um pouco de vinho.
– Os hebreus, como eles
mesmos contaram, tiveram também no Egito. E foram aprendendo com os deuses dos
povos, que contribuíram para sua cultura, que foram montando o seu Deus. A diferença
estava somente no modo de transmitir seus deuses. Enquanto os Hebreus escreviam
tudo que se referia a seu Deus, os outros povos contentavam-se em transmitir
oralmente. Poucos escreviam. Alguns escritos anteriores a Moisés foram certamente
por ele lidos, copiados e adaptados. No “Livro dos Mortos”, capitulo 125, diz o
seguinte – Onório pegou um papel e leu:
“Reverencia te seja feita, ó grande Deus, senhor da verdade. Venho a
ti, meu senhor, perante ti compareço para que eu possa ver tuas perfeições.
Conheço a ti, conheço teu nome. Conheço os nomes dos quarentas e dois deuses
que contigo habitam neste salão de maati, que exercem vigilância sobre aqueles
que praticaram o mal, que se alimentaram do sangue deles no dia em que as vidas
dos homens forem avaliadas na presença de Osíris. Venho a ti com a verdade.
Trouxe a verdade a ti. Eu destruí a maldade para ti. Porque não pequei contra
os homens; não oprimi parentes; não pratiquei o mal no lugar da verdade; não
conheci homens desprezíveis; não cometi atos abomináveis; não executei tarefas
diárias alem do que o dever requer; não fiz com que meu nome aparecesse para
receber honrarias; não oprimi escravos; não pensei em deus com menosprezo; não
lesei os pobres de seus bens; não pratiquei os atos que os deuses abominam; não
fiz com que os escravos fossem maltratados pelo feitor; não provoquei o
sofrimento de nenhum homem; não permiti que nenhum homem passasse fome; não fiz
nenhum homem chorar; não assassinei nenhum homem; não dei ordem para nenhum
homem ser assassinado; não causei dor à multidão; não surrupiei as oferendas
dos templos; não furtei os bolos dos mortos; não roubei as oferendas feitas aos
espíritos; não tive relacionamento com pederastas; não me conspurquei nos
lugares imaculados do deus de minha cidade; não fiz trapaças ao pesar cereais;
não roubei terras nem ampliei as minhas por esse processo; não usurpei os
campos dos outros; não trapaceei no peso da balança; não fiz trapaças com o
fiel da balança; não tirei o leite da boca das crianças; não expulsei os
animais de seus pastos; não capturei gansos na reserva dos deuses; não apanhei
peixes com isca de seus corpos; não represei água quando ela devia fluir; não
abri nenhuma fenda em canal de água corrente; não apaguei nenhum fogo que devia
ficar aceso; não aboli os dias de apresentar as oferendas; não desviei gados de
propriedades dos deuses; não rejeitei o deus em suas manifestações. Sou puro.
Sou puro. Sou puro. Sou puro.
– Realmente não é
necessário me mostrar mais nada. Não sou tola. Sei que a Bíblia é um conjunto
de vários textos como qualquer outro texto literário– falou Aparecida.
– A Bíblia conta muitos fatos históricos
confirmados, mas a ficção bíblica está mais presente que qualquer acontecimento
que realmente existiu. Até mesmo os fatos existentes foram ornamentados com
detalhes de ficção para maior realce. Olha, por exemplo, a Jumenta falante de
Balaão que parece mais uma fábula. A Literatura atual deveria seguir esse
modelo Bíblico. A crítica não pode, na "Literatura atual", fazer
distinção entre ficção e autoajuda quando estas estiverem em fusão. Mas olhe
pelo menos essas mudanças que foram feitas no Novo Testamento. Como os textos
eram copiados à mão, favorecia as chances de erros. Erros por: acidentes, falta
de cuidados, propositadamente, para dizer o que queriam dizer, modificações a
bel-prazer, por questões teológicas e ideológicas, escorregão da pena, acréscimo
despercebido ou intencional, palavras mal grafadas e por aí vai. Para dá alguns
exemplos veja que o autor de Hebreus do Novo Testamento pode ter escrito uma
palavra e alguém modificou. Veja:
“Cristo pheron (sustém) todas
as coisas.” Ou,
“Cristo phaneron (manifesta)
todas as coisas.”
– A semelhança gráfica e visual e sonora
levou os copistas a erros. Porque manuscritos antigos trazem as duas versões,
mas não se sabe qual a verdadeira. Seguindo no mesmo raciocínio, veja o que
disse Paulo:
“Fermento velho, o fermento da
maldade e da poneras (perversidade).” Ou,
“Fermento velho, o fermento da
maldade e da porneias (imoralidade sexual).” Ou em Apocalipse que
diz:
“Nos lusanti (livrou) de
nossos pecados.” Ou,
“Nos lousanti (lavou) de
nossos pecados.”
Muitos já perceberam essas
modificações desde o início os primeiros séculos da Era Cristã. Richard Simon
diz em sua obra que:
“São Jerônimo fez á Igreja não pequena obra, ao corrigir e rever as
antigas copias Latinas, segundo as mais estritas regras da crítica... e que os
mais antigos exemplares gregos do Novo Testamento não são os melhores, visto
que eles se seguiram as Cópias Latinas e São Jerônimo os considerou degenerados a ponto de necessitarem de um alteração.”
– Quanto à autenticidade
das antigas cópias dos documentos
primitivos, que não existem disse:
“Não haveria nessa época
nenhuma cópia, nem mesmo do Novo Testamento, seja grega, latina,siríaca, ou
arábica, que pudesse ser verdadeiramente chamada de autêntica, porque não existe nenhuma, em qualquer língua em que
tenha sido escrita, que esteja absolutamente isenta de acréscimos. Devo também admitir que os copistas gregos tomaram
grandes liberdades ao escrever suas cópias, como provaremos em outro lugar.”
– Ele continua dizendo,
acerca dos livros originais que não mais existem e questiona se são mesmo,
esses livros, inspirados por Deus.
“É possível... que Deus tenha dado a sua igreja livros que lhe sirvam de
regra e que tenham, ao mesmo tempo, permitido que o primeiro original desses
livros tenha se perdido desde o início da Religião Cristã?”
– Em outra ocasião o
referido autor é categórico:
“As grandes mudanças que ocorreram nos manuscritos
da Bíblia... visto que os primeiros originais estavam perdidos, destroem
completamente o princípio dos protestantes... que consultam apenas os mesmos
manuscritos da Bíblia na forma em que se apresentam hoje. Se a verdade da
religião não estivesse viva na igreja, não seria seguro procurá-la agora nos
livros que foram submetidos a tantas
mudanças e que em tantas estiveram dependentes do arbítrio dos copistas.”
– E o que fazer então; deve-se acabar
com a religião? – Perguntou Aparecida.
– Não diria isso, mas não era de todo
ruim. Porém a Igreja deveria usar seu poder para melhorar a vida dos indivíduos
com outra forma de ensino.
– Como a igreja deveria ensinar?
– A igreja deveria dizer estas palavras
de Jesus:
“A ignorância é a mãe de ‘todo mal’. A ignorância acabará
resultando em morte, porque aqueles que vêm da ignorância nem foram nem serão.
Porém aqueles que estão na verdade serão perfeitos quando toda a verdade será
revelada, porque a verdade é como a ignorância. Enquanto está escondida, descansa
em si mesma, mas quando é revelada e é reconhecida, é louvada porque é mais
forte que a ignorância e o erro. Proporciona a liberdade. A palavra diz: ‘se
conheceis a verdade, ela os fará livres. A ignorância é uma escrava. O
conhecimento é a liberdade. Se conhecemos a verdade, encontraremos o fruto da
verdade dentro de nós. Se nos unimos a ela, nos proporcionará nossa realização.”
Diga que a verdade é o conhecimento e, que a perdição
não é fruto do pecado: é fruto da ignorância. Para que serve uma igreja cheia
de ignorantes? Quando se sabe que esta é a principal fonte dos sofrimentos.
Quanto ao pecado, esse não existe. Foi o próprio Jesus que disse a Pedro:
“Pedro lhe diz: ‘posto que nos explicaste tudo, diz para nós também isto: o que
é o pecado do mundo? ’ O salvador diz: ‘não existe o pecado. Sois vós quem produzis
o pecado, quando atuais segundo os hábitos de vossa natureza adultera: aí está
o pecado. Por isso o bem vem habitar em vós. Ele participará dos elementos de
vossa natureza para reuni-las em suas raízes. (...) Por isso vós ficais enfermos
e morreis. É uma consequência de vossos atos. (...) Quem puder entender, que
entenda.”
Digam que a verdade é ofuscante, mas temporária e sua
posse acrescenta o saber. Embora dificulte a comunicação com quem pensa que
sabe tudo e nada sabe. Porém o resultado final é contemplação do bem. Digam que
a sabedoria persegue aquele que se dá conta que é ignorante. Digam que a
consciência da própria ignorância já é uma forma de conhecimento. Digam que é
impossível conhecer alguma coisa sem conhecer sua própria ignorância. Digam que
o ignorante é aquele que supõe saber tudo e o sábio é aquele que sabe que nada
sabe.
É de
conhecimento de muitos que desde o início do cristianismo alguns já chamavama
atenção da igreja sobre esse assunto. Foi o que disse Celso no segundo século
de nossa era quando escreveu A palavra da
verdade atacando o cristianismo:
“Estas são as
palavras de ordem deles: para trás
quem tem cultura, quem tem sabedoria, quem tem discernimento! Quantas recomendações
perversas para nós! Mas se houver algum ignorante, insensato, inculto, uma criança,
que se aproxime com coragem!
Mas estão
sempre nas praças publicas, suponho eu, aqueles que divulgam seus segredos e
pedem esmolas. Jamais se aproximam de uma assembleia de homens prudentes com a
audácia de nela revelar seus belos mistérios. Mas logo que percebem a presença
de adolescentes, um bando de escravos, um ajuntamento de idiotas, para lá
correm e vão se exibir! Vão às casas particulares, cardadores, sapateiros,
pisoeiros, pessoas das mais incultas e rudes. Mas diante de mestres cheios de
experiência e discernimento não ousam sequer abrir a boca!" –A Igreja não imita o modelo da escola. A
autoridade religiosa não pergunta aos fiéis se entenderam alguma coisa ou se
alguém tem algo a perguntar no que diz respeito à veracidade bíblica, dogmática
e doutrinaria.
Capítulo
4
Na estrada que liga Tiradentes a Vila Santa
Cruz fazia muita poeira. Onório observava do outro lado do Rio das Mortes uma
antiga linha férrea. Surgiu de repente a Maria-Fumaça apitando carregada de
crianças. Do lado direito que dirigia olhou por um instante a neblina que se
desfazia no topo de uma longa montanha. Olhou para o bilhete que a enfermeira
lhe entregara no hospital de Juiz de Fora. Parou o carro e fez uma releitura:
Onório, na
verdade, de todos os bens e fortuna que a natureza me concedeu, nada tenho que
possa ser comparada á sua amizade. Nunca me ofendeu em coisas mínimas, pelo
menos não percebi; nada ouvi de você que desejasse não ter ouvido. Estou
buscando forças para escrever-te, e dizer-te que vivas. Vivas para sempre,
porque somos como a fabulosaFênix. A morte, que estou vendo agora, não é o fim,
mas o começo de uma nova existência. Um ser morre para dar continuidade no processo
evolutivo da vida. Percebo, neste momento, que a vida e a morte são como uma
folha de papel, que não pode existir o verso sem o reverso. Fora disso está o
‘Ente-verso-reverso’. Vá até o Rio das Mortes, no trecho que fica entre São
João Del Rei e Tiradentes, encontre a balsa e pegue um pen drive dentro de uma
bolsa que está em um dos tubulãos. Envie o conteúdo para um editor no endereço
do e-mail que também está dentro do conteúdo de um pen drive.
Guardou o
bilhete no bolso e continuou procurando pela balsa. Deve estar por perto. A estrada ficou distante da margem do rio e
uma vegetação de ingazeira, que nesse trecho escondia as águas, dificultou a
procura. Não obstante, não tinha nenhuma passagem aberta para que pudesse ir de
carro. Posso ir a pé, mas vou procurar
uma passagem. Passou por uns banhistas que banhavam em águas cristalinas
que saíam da fenda do topo de uma rocha. A uns cem metros a mais avistou uma
porteira de uma fazenda aberta. Vou
entrar aqui. Esse é o melhor lugar de
esconder uma bolsa da polícia.
A polícia estava sempre lacrando as
bolsas por causa do uso do mercúrio. Quando chegou à margem avistou uma balsa. Até que enfim.
Estacionou o carro na margem do rio e fez um aceno para três pessoas que
estavam na balsa jogando dominó. Um rapaz entrou em uma canoa de alumínio com
um motor de popa acoplado em sua extremidade, baixou a rabeta do motor, puxou
um cordão que servia de manivela e pôs o motor para funcionar.
– Bom-dia
Onório, está dando uma de turista, é? – encostando o bico da voadeira no
barranco de decida da margem do rio.
– Turista!
Quem me dera! Se tiver ouro aí estou na mandada, Reginaldo. – enquanto estava
entrando na voadeira.
– Ouro que
nada! Faz tempo que não se ver um fagulho. E agora que o velho Maranhão morreu
nem comida tem mais. Esse trecho aqui está muito explorado. Não se encontra
nenhuma daminha virgem para nos tirar do blefo. – subiram na balsa.
– E aí
Onório, está fugindo do dilúvio nordestino? – foi dizendo um homem de trinta e
cinco anos, de um metro e noventa. Gordo como uma baleia.
– É para
você ver, James, quando não é oito é oitenta. E você, Wilson, não vai mais ao
Ceará? Seu cabelo de manga chupada! – perguntou Onório a um homem entroncado,
de cor amarela e os olhos avermelhados. A cor dos olhos era devido aos
constantes mergulhos que fazia.
– Já te
falei uma porção de vezes que não faz sentido para mim depois de tanto tempo
fora de casa voltar pra casa sem nada no bolso. Meu amigo, já faz dez anos. Não
é brincadeira não! O homem que faz isso
é corno nem que não queira. Enquanto tiver puta nesse mundo, aí é que não volto
mesmo. – Todos riram.
– E aí!
Vamos ou não vamos fazer uma mandada? Preciso tirar o blefo e amolecer grude. –
falou Onório.
– O grude
está fácil de amolecer, mas o blefo... – falou Reginaldo. Onório ficou observando
as curvas que o rio fazia. A uns cinquenta metros o rio fazia uma meia lua
perfeita. Notou que se o nível das águas aumentasse um metro passaria direto
sem fazer curva.
– Vamos
aportar a balsa naquela ingazeira. Pode deixar que iniciarei a perfuração e só
paro quando chegar na lajérgia. – falou Onório.
– Por que
próximo à ingazeira? – perguntou Wilson.
– Está
vendo aquela passagem que corta o atalho do rio?
– Estou.
Parece que era por ali que o rio passava.
– Era
exatamente isso! Os bandeirantes desviavam o leito do rio para garimpar.
– O quê! Os
bandeirantes?
– Deixa pra
lá!
James
amarrou o motor de poupa na balsa e a conduziu onde sugeriu Onório. Reginaldo
pôs o motor de Mercedes Benz para funcionar. Onório já se preparava para
mergulhar no fundo das águas do Rio das Mortes vestindo uma roupa preta para
mergulho com umas listras verticais amarelas nos lados opostos das costelas.
Pegou um pesado cinto com barras de chumbo e afivelou na cintura. Pegou uma
mangueira de ar comprimido que sai de um compressor de ar, deu uma volta pela
cintura e a extremidade que continha a chupeta, deu uma volta por detrás do
pescoço e colocou a chupeta na boca para um teste. Pegou os óculos de mergulho
e botou nos olhos, agarrou a maraca em forma de cone que fica na extremidade da
mangueira de mandar material. Uma mangueira cilíndrica de seis polegadas,
amarela e de formato anelídeo e, com um salto ornamental sumiu nas águas do Rio
das Mortes próximo da ponte que leva a Vila Santa Cruz e São João Del Rei.
Capítulo 5
Dona Francisca quebrou
um ramo de vassourinha e foi para o seu quarto rezar na Joaninha que estava com
quebranto. Com uma bacia de água ao lado, molhava o ramo e sacudia na criança
movimentando os lábios. Depois de cinco
minutos.
– Pronto
mia fia, pode levar seu bebê, mas nun isqueça de cumprar A-S pra ajudar na oração.
– Pode
deixar, dona Francisca. Eu vou dá A-S pra ela. Muito obrigada; Deus que está lá
em cima há de lhe pagar. – disse uma mulher baixinha de olhos verdes e cabelos
de índia caiapó. Quando passou pela porta encontrou-se com um homem vestido
branco. Alto e magro.
– Bom-dia
doutor, como vai o senhor?
– Bom-dia
Carmelita, eu estou bem. Como vai o bebê?
– Está
adoentado, mas não é nada de mais. Deve ser quebranto porque o que não falta é
gente de olho ruim e invejoso não é bebê?(???????) Só porque minha filha é linda,
não é?
– Se parece
com o pai? – perguntou o doutor Isaias.
– Só um
pouco. Não é minha lindinha? De quem é que a mamãe gosta mais nesse mundo? Qual
é melhor coisa que mamãe já teve?
– Tudo bem,
mas não esqueça de ir ao hospital quando precisar! A dona Francisca está? –
Dona Francisca ouviu a conversa, aproximou-se.
– Vamo
intrar dotor Isaia, o sior sente aqui! aconticeu arguma coisa?
– Como a
senhora está passando depois que seu Maranhão morreu?
– Há! Vou
viveno, é Deus qui diz a hora da gente ir né mermo?
– Está
certa, dona Francisca. Mas é um outro assunto que me trouxe aqui. O mesmo
assunto da última vez. A senhora entende?
– Oh dotor!
Eu tô fazeno do jeito qui o sior pidiu. A Carmelita acabou de sair daqui. E eu
disse pra ela dá AS pra febre do bebê.
– Dona
Francisca, aquela criança tem duas semanas de nascida. Eu tive um trabalho danado
para que fosse um parto normal. Entende? É mais uma dessas crianças que a mãe
não diz quem é o pai. Olhe, dona Francisca, a filha da dona Joana está
internada com intoxicação. Ela demorou levar a criança para que eu pudesse
diagnosticá-la. Perguntei o motivo da demora e ela disse-me que acreditava na
sua reza. Dona Francisca, continue rezando. Não deixe nunca de fazer isso, mas
eu lhe peço mais uma vez. Quando a senhora perceber que a coisa é grave ou que
pode se agravar, faça uma reza rápida e mande levar a criança para que eu possa
medicá-la. Está bem assim? E a senhora também está precisando fazer novos
exames. A senhora está tomando os remédios direitinhos?
– Istou
dotor, muito obrigada. Pode deixar qui eu não vou deixar de avisar. E o bebê da
Jonia, corre pirigo?
– Vai
recuperar. Mas continue rezando por ela.
Capítulo 6
Depois de uma hora que Onório estava embaixo da
água o funil de areia já media três metros de profundidade. Onório estava
encontrado dificuldade para atingir a lajérgia porque o entulho aglomerava-se
na boca da maraca e vedava-a impedindo, ele, mandar o material(????). Um objeto
insistente teimava em voltar e Onório guardou-o por dentro da roupa de
mergulho. Tocou em um material duro, mas logo percebeu que não era lajérgia. Só é uma fina camada de mocororô. Mas depois
de dez minutos, finalmente a lajérzia,
mas não tem cascalho virgem. Limpou a boca de serviço. Quando estava com um
metro quadrado de boca de serviço limpa pegou a mangueira de ar e começou
sacudi-la. Reginaldo, que estava de olho na mangueira pegou-a e respondeu o
sinal com o mesmo movimento. Onório repetiu o movimento, mais intenso e
prolongado. Era um sinal para o teste de ouro. Reginaldo soltou a mangueira e
pegou uma cuia. Encostou-se a uma caixa de madeira, na verdade eram três caixas
em forma de Z, que corria o material mandado por Onório. Pegou um pouco de
material. Desceu até o arroto que se formava atrás da balsa formando uma praia
artificial no meio do rio e, com movimentos circulares, submergindo a cuia
dentro da água fazendo a areia, as pedras, esmeril e cassiteritas saírem da
cuia. Correu apressado para a mangueira de ar e fez um movimento na mangueira
de ar, sacudindo-a com certo exagero que Onório, que estava em um solilóquio, assustou-se.
Onório atendeu o chamado e Reginaldo mandou uma mensagem prolongada com um
movimento. Era o sinal que o material tinha muito ouro.
– Está de
brincadeira com a gente, não é seu Reginaldo? Não vai dizer que nesse lugar tão
explorado tem alguma coisa? – disse James com um anzol na mão.
– Dê uma
olhada aqui! – mostrando a cuia.
– Caraca!
Me dá essa cuia aqui? – enquanto Wilson se aproximava para ver, James derramou
em cima da caixa e pegou um novo material e foi cuiar.
– Tem ouro
mesmo! - Correu até a mangueira e novamente deu sinal de ouro para Onório.
Onório recebeu o sinal incrédulo. - Não entendo. Eles devem estar de brincadeira
comigo ou querem que eu amoleça o grude nessa água gelada? Posso é ficar congelado.
Não pode existir muito ouro em material desse tipo. Não tem cascalho e mesmo
que tivesse, nas terras brasileiras não tem filão de ouro. O ouro do Brasil se
encontra em aluvião, foi o que me disse o padre Jeremias quando me aconselhou a
não vir para o garimpo. Tentou livrar-se do objeto que estava entre seu
corpo e a camisa. Retirou o objeto e com o tato das mãos percebeu alguma coisa
estranha que espécie de objeto estranho e
guardou novamente.
Capítulo 7
Aparecida entrou na sala
de aula. Fez a chamada numérica dos alunos, nenhuma falta. Suspirou.
– Eu
gostaria de fazer uma pergunta para vocês. A pergunta é a seguinte: por que
vocês querem aprender alguma coisa na escola?
– Ora essa,
professora! – respondeu Adriana – todo mundo que estuda não é para ter um bom
emprego no futuro? Se toda pergunta que você fizer for fácil de responder como
essa, saiba que já estou aprovada e o emprego garantido – provocando o riso de
todos. Aparecida também não deixou de rir.
– Mas essa
tem sido a ideologia que vem se arrastando ao longo dos tempos para fazer
exatamente vocês pensarem assim. Alguns de vocês conhecem alguém já envelhecido
que tem escolaridade e não tem emprego e moradia?
– Meu pai e
minha mãe – disse Carlos – que para vivermos, papai faz de tudo para ganhar um
pouco de dinheiro, mas emprego que é bom nada.
– Muito
bem, Carlos. E o que ele atribui à falta de emprego?
– Ele disse
que a culpa é dele mesmo. Que não é bom o bastante. Sempre tem alguém melhor do
que ele e que essa é a vontade de Deus.
– Ele não é
ruim em nada. Foi para pensar dessa forma que a escola formou-o. A nossa escola
está sem os pés no chão. O desafio da escola deveria ser sempre de levar o
homem a encontrar o sentido de sua existência e consequentemente sua
felicidade. Mas essa felicidade só é possível pelo conhecimento da verdade. O
bem só é possível pela verdade. Portanto não é possível uma felicidade plena
justamente porque não se conhece toda a verdade. A verdade não é uma ideia, mas
um fato real que, quando alcançada, nos permite agir de forma justa. A escola
que se nos apresenta não permite fugir do pragmatismo convencional e mítico.
Platão estava errado quando imaginou que a verdade só era possível pelo conhecimento
das ideias. Exatamente porque as idéias são falsas. É preciso conhecer a origem
da ideia. Formar cidadãos para o exercício da cidadania, trabalhando e competindo
para fomentar o consumo não é só uma forma eficiente de alienação como, também,
desativa as potencialidades existentes em cada homem. O acúmulo de emprego
torna o individuo escravo de si mesmo porque não sente o desejo da liberdade.
Desejo suprimido pela racionalidade. Não é razoável para um homem perder o
emprego por causa dos pavores já impregnados ideologicamente como sendo o
padrão de vida adequado em sua vida social e material. A razão prática
experimental também não possibilita o conhecimento da verdade porque ignora a
essência, via necessária para conhecer o ser. O único objeto que podemos
conhecer é a si mesmo. Mesmo o
pensamento especulativo não justifica a existência do ser. Pode se estudar a
causa da ideia, mas não o objeto da ideia. O conhecimento da origem da idéia da
existência de Deus é que permite conhecer Deus. Não é a fé moderada ou fanática,
nem o número de crentes em Deus que faz dele um ser real. Devemos, não importa
a idade, ganhar maturidade emancipando-nos,(???) espiritualmente e culturalmente,
do sufoco social que é nossa cultura e sistema religioso. – Aparecida pegou um
livro de filosofia e o colocou na base do quadro-negro que serve para guardar
giz.
– Alguém
aqui não está vendo este livro? – ninguém respondeu. – Quem está vendo o livro?
– Todos levantaram a mão. – vou provar que nenhum de vocês está vendo o livro.
– Essa eu
quero ver professora. Estou vendo o livro e você vai me provar que eu não o
vejo!? – disse Antonio.
– Isso
mesmo! Tudo que vemos e sentimos faz parte do nosso senso comum, mas na
realidade é aparência. – Aparecida foi até o interruptor de energia e desligou-o.
Escuridão total. – vocês estão vendo o livro?
– Como,se
você apagou as lâmpadas! – respondeu Antonio. – Aparecida acendeu as lâmpadas.
– E agora,
voltaram a enxergar o livro?
– Claro, né
professora!
– Pois está
provado que vocês não estão vendo nenhum objeto diante dos olhos de vocês. O
que vemos na verdade é a luz refletida no objeto. Se tirar o foco de luz que
converge para os objetos não é possível enxergá-los. – todos aplaudiram. –
Aparecida fez mais uma pergunta.
– O
movimento existe? – fazendo um movimento com o braço direito e esquerdo, para
cima e para baixo.
– Não
acredito! Até o movimento pode não existir? Depois que descobri que não vejo os
objetos, agora é o movimento que não existe? – jogando na sala uma bola de
papel. – provou muito riso. Aparecida foi até a lousa e com um giz começou a
desenhar uma seta numérica do conjunto dos números inteiros.
- 5 - 4 - 3 - 2 -1- 0 +1+2 + 3 +4 +5
Aparecida
ficou no ponto zero e começou a movimentar-se para direita e esquerda. – todos
riram. Posicionou-se novamente no ponto zero. – Se eu movimentar-me sem
interrupção para a direita até a posição +5, e estivesse sendo fotografada no
instante +1, +2, +3, +4, +5 nos instantes desses, a câmara fotografaria meu
movimento ou eu estaria parada em cada ponto. – Aplauso novamente. – Aparecida
pegou um caderno com um desenho em várias posições de passeio. Segurou o
caderno com a mão esquerda e com a direita passou o polegar sobra as páginas
desprendendo-as rapidamente e todos assistiram uma corrida de um desenho animado.
Mais aplausos.
– Agora uma
outra pergunta, por que as galáxias estão se afastando uma das outras?
– Eu nem
havia reparado! – disse Pedro provocando sorrisos.
– Mas
estão. – Aparecida pegou uma bexiga e encheu de ar com a boca. Amarrou e marcou
com a caneta o lugar do cordão. Fez o desenho de algumas estrelas na bexiga
cheia de ar.
– O que
aconteceria se eu colocasse dentro da bexiga, com a mesma quantidade de ar, uma
bola de sinuca?
– A bexiga
vai aumentar de tamanho. – sugeriu João.
– Isso
mesmo. – Aparecida soltou o ar da bexiga e colocou a bola de sinuca dentro e
tornou a encher com a mesma quantidade de ar anterior. – olha o que aconteceu
com as estrelas! – as estrelas tinham aumentado de tamanho e se afastaram uma
das outras. – é isso que acontece com as estrelas lá em cima. A quantidade de
matéria produzida aqui na terra faz com que a grande bexiga do universo se
expanda por causa da lei da impenetrabilidade.
Capítulo 8
O mundo. É uma mulher
representando a deusa Ísis. Seu objetivo é procurar o corpo de seu esposo, o
Deus Osíris, que foi lançado os seus pedaços no Rio Nilo por Seth-Typhon. A
última carta do Tarô tem que ser o século seguinte da penúltima. É assim desde
o início do jogo. Reginaldo desenhou um circulo com um compasso em uma mesa de
compensado. Colocaram a carta que representa o mundo em cima da mesa com a
extremidade da carta sobre a linha do círculo pelo lado exterior. Embaralharam
as outras vinte e uma cartas e foi entregue uma a uma para os quatros. Cada um
ficou com cinco cartas; a que sobrou ficou no meio do círculo pelo lado
reverso. A carta da mesa representava o
século XXI. A carta estava com os desenhos dos quatros signos do zodíaco. E
cada um tinha seu signo: Onório era Leão. James era Touro. Reginaldo. Aquário e
Wilson, Escorpião. Tinha na carta,
dentro de um círculo de folha, uma mulher. A mulher com uma manta segurando uma
cruz com os cabelos soltos. Estava quase totalmente nua, porque a manta vermelha
cobria apenas a parte íntima, caminhando nas nuvens.
– Vamos
unificar o muuundo! – gritou Wilson.
– Estas
cartas carregam segredo que só os que estão aptos podem ganhar o jogo –
comentou Reginaldo.
– E vocês
já jogaram? – perguntou Onório.
– Toda
noite, mas ninguém consegue ganhar. Dizem que é um antigo livro dos egípcios,
que foi salvo do fogo por um ancião, quando Julio César tocou fogo na biblioteca
de Alexandria – disse James.
– E onde
vocês as encontraram?
– Nas coisas
do velho Maranhão, junto com as cartas tinha um passaporte com o visto para o
Egito – respondeu Reginaldo.
– Como
vocês sabem dessas coisas?
– Era ele
que nos contava sobre essas cartas e, de tanto repetir! – respondeu Reginaldo.
– Que mais
ele disse, Reginaldo?
– Bom! Ele
disse que essas cartas são profecias.
– Profecia?
– É,
profecias foi o que ele disse. Porque o nome “Naipes” se originou de “Nabi.”.
– Naipes é
Nabi?
– Sim,
significa profeta em Árabe. Ele disse que os árabes não jogam baralhos e as
cartas eram uma forma de profanar todos os paises islâmicos. Porque lá não se
pode pronunciar o nome do profeta em vão.
– Que mais?
– Quer
parar de perguntar e jogar!
– Tudo bem,
mas enquanto jogamos vou perguntando. Ok?
Cada um
ficou com cinco cartas na mão. Reginaldo foi o primeiro a botar uma carta na
mesa e organizou a carta para formar o círculo. A carta continha o desenho de
um papa fazendo um gesto com a mão direita estendida em sinal de benção a dois
homens a sua frente. E a mão direita do papa descansava sobre três cruzes unificadas.
– Que
significa essa carta?
– Bom! Esse
é o saber religioso. Representa o século IV. O papa mostra para o um homem do
bem e outro do mal que a cruz que segura na mão direita poderia ter três
caminhos. Mostra que o único número par que é impar é o número dois. Os cinco
desenhos sao uma profecia do século seguinte mostrando que o sábio pode ajudar
os outros, nunca a si mesmo. Significa que o cristianismo se firmou nessa época
como religião do estado com o advento do concilio de Niceia. O nome dela é “O
Papa”
Onório
olhou para seu jogo e ficou observando uma carta que continha o desenho de um
imperador sentado, com as pernas cruzadas, em um trono. Tinha ao seu lado um
escudo em forma de águia. Ele estava segurando um bastão. Então deu sua cartada.
Todos olharam para Onório.
– Fui mal?
– Você
jogou o século III! – disse Reginaldo. – O século de mais dificuldades para os
cristãos. Essa carta se chama “O Imperador”. É a força masculina de yang que
traz estabilidade, unido com yin feminino. A águia significa renovação.
– É sua
vez, James – falou Wilson. James olhou para as três cartas que já estavam na
mesa: O mundo, O Papa e o Imperador. Olhou para as suas e jogou uma. A carta
que jogou tinha a imagem de uma mulher sentada em um trono com a cabeça
envolvida por uma tiara. Sua vestimenta é um manto púrpuro. Segura uma cruz e
um livro.
– Que carta
é essa? – perguntou Onório, enquanto ordenava as cartas em círculos.
– É o
primeiro século da Era Cristã. Essa mulher e tudo que está com ela significam a
Igreja que mostra a importância de conciliar o mundo interior com o exterior no
equilíbrio de dar e receber. É por isso
que chamam essa carta de papisa – disse Reginaldo.
Chegou a
vez de Wilson dar sua cartada. Ficou observando as suas cartas e, depois de um
sorriso maroto percebendo que tinha nas mãos a carta que se encaixava entre a
papisa e o imperador. Jogou-a. A carta tem a imagem de uma mulher, sentada em
um trono, com uma linda e brilhante coroa de ouro na cabeça carregando um
bastão e um escudo parecido com o escudo do imperador. Só que o escudo do
imperador tem a forma de uma águia, e o escudo da imperatriz tem a forma de um
falcão. É a representação do Império Romano em seu apogeu. É a “a imperatriz” o
nome dessa carta. Representando o século II.
– Wilson
pegou o ouro que tinha sido colocado na aposta e guardou-o.
– Por quê?
– perguntou Onório.
– Porque
foi ele que unificou os séculos colocando a Imperatriz. Essa é a terceira carta
do jogo do tarô. Ela representa o segundo século – comentou Reginaldo – dizem
que a mulher que está aí desenhada, com esse emblema de falcão, é a deusa Isis
com seu filho Hórus.
Wilson joga
na mesa sua segunda carta. Ela tem um
edifício
atingido pela iluminação do sol projetando atrás de si uma sombra. Em cima do
muro, ao lado do edifício iluminado, um homem, com uma coroa na cabeça despencando
do muro, está à meia altura do muro para o chão e vai cair em cima de um monge
que já se encontra caído no chão.
– Que carta
é essa? – perguntou Onório.
– Dizem que
esse clarão do sol que atinge o edifício significa a descoberta da imprensa que
espalhou a luz do conhecimento e, que com isso consumiram a escolástica da
igreja e a autoridade real – respondeu Reginaldo.
– Entendo.
Por isso um rei e um monge caídos? – referindo-se a Reginaldo.
–
Exatamente! Com a leitura os homens começaram a pensar e divulgar o saber e
isso não agradou de forma nenhuma a igreja, que sempre se utilizou da
ignorância do povo em seu favor. Foi nessa época que descobriram um novo mundo
e, como tudo que é novo, desmoronaram os conceitos tradicionais do velho mundo.
Essa torre tem três janelas: duas janelas menores significam os dois caminhos e
a janela maior que fica no topo, logo acima entre as duas janelas é o terceiro
caminho. O nome da carta é Torre. É o século
XV.
James joga
uma carta na mesa. Na carta tinha a imagem de um monstro com o corpo de mulher
em pé sobre um pedestal. Do lado direito e esquerdo do monstro, um de cada
lado, tem dois homens, acorrentados, com os pés e pernas de bode. O monstro tem
chifres e asas de morcegos.
– Que
significa essa carta?
– O nome
dela é “ o dDiabo”, é a décima carta do tarô. Dizem que representa as desgraças
do século quatorze, como a peste negra. Dizem também que os templários foram
torturados e executados, por ordem de Filipe, o Belo e do Papa Clemente V,
porque o chefe da ordem dos templários estava de posse dessa carta. Afirmam que
os nobres e piedosos templários se utilizavam dessas cartas para predizer o
futuro. Para a infelicidade da ordem, encontraram seu chefe exatamente com essa
carta que representava “Baphomet” o diabo. Representa os dois lados: sombra e
iluminação.
Reginaldo
colocou a sua segunda carta na mesa. Na carta continha a imagem de um anjo
derramando um líquido de um cântaro para outro.
– Que
significa essa carta?
– Dizem que
o líquido é vinho. O vinho velho sendo derramado no recipiente vazio significa
a cultura clássica sendo derramada no pensamento obscuro medieval. O nome da
carta é “A Temperança” – disse Reginaldo – mas o vinho também significa a
hipocrisia dos evangélicos que não bebem nenhuma espécie de bebida alcoólica,
mas se esbaldam em vinhos na surdina. O jarro é os dois caminhos possíveis e o
homem é caminho do meio.
Onório joga
sem pensar, uma carta. A carta tinha um céu estrelado. O brilho das estrelas
iluminava uma jovem sentada à margem de um rio segurando dois potes de onde sai
água. Na margem do rio tem uma árvore onde um pássaro canta.
– Que carta
é essa que eu joguei?
– Não sei
por que tenho a impressão de que você conhece o significado dessas cartas. Mas
ganhou a segunda cartada. Essa carta se chama “a estrela”. Representa o século
XVI. As estrelas são os astrônomos daquele século. A igreja não suportou a
saída do convento de Giordano Bruno e sua tese de que Deus existe na natureza e
é inseparável dela, levaram o cara para a fogueira. Época de Erasmo de Rotterdam,
padre que criticava a igreja e o cristianismo. Dizia ele que é loucura uma vida
verdadeiramente cristã e que Cristo escolheu a loucura da cruz e cercou-se de
“pobres de espíritos”. Época de Campanella, que debochou da inquisição fingindo
ignorar a dor conversando amigavelmente e sorrindo quando estava sendo
torturado. Época de Galileu, que também sofreu da insanidade da inquisição só
porque dizia que a Bíblia não expõe
verdades cientificas. Época do nascimento de Descartes, que dizia que
Deus pode ser um gênio enganador e que o caminho certo é a dúvida. “Logo suporei
que existe não um verdadeiro Deus, que é fonte soberana de verdade, mas um
certo gênio mau, não menos astuto e enganador que poderoso, que tenha empregado
todo o seu engenho em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores,
as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vejo não sejam mais que
ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender a minha credulidade”.
– E o que
significam os dois cântaros?
– Não sei,
mas parece que tem algo a ver com a reforma religiosa provocada por Matinho
Lutero. Mas de novo a mulher sentada à beira do lago,
segurando os dois cântaros derramando o líquido no lago com o sol estrelado
representa a esperança que deve surgir a explicação do terceiro caminho.
Ficaram
todos com três cartas nas mãos, mas ninguém queria lançar primeiro a terceira
carta.
Onório
jogou na mesa uma carta que continha desenhos de quatros objetos: uma taça, uma
moeda, uma vara e uma espada. Tinha também o desenho de um homem.
– Aí está a
carta! Agora me diga o que ela significa, então?
– O homem é
um mágico. Dizem que se trata de Osíris, o deus egípcio que ressuscitou depois
de ter sido morto por Set-typhon. Ele foi o primeiro a dizer: “Eu sou a
ressurreição” - também disse: “Eu não faço mal à humanidade. Eu sou puro.” Os
quatros objetos são os quatros filhos de Hórus que representam os pontos
cardeais, representações de Osíris. Dizem que Osíris foi o primeiro deus que
apareceu sobre a terra e reinou sobre os homens. Afirmam que esse deus era um
deus civilizador. Quando foi morto por Tifão, que o despedaçou e jogou seus
pedaços no Nilo, mas os peixes não o devoraram, exceto o caranguejo, seus
pedaços foram reconstituídos por sua esposa
Isis e seus filhos Anúbis, Néftis e Hórus. Dizem também que a formação da
trindade cristã nasceu em decorrência da trindade que existiu entre Osíris,
Ísis e Hórus. Pai, mãe e filho. No cristianismo, retiraram a mãe e colocaram em
seu lugar o espírito. Dizem que Satanás também foi originado de Set, o Tifão
Grego. Do mesmo modo que este, aquele também desceu do céu por rebelião. Tifão
era irmão de Osíris. Tifão era o deus do mal e das forças maléficas da noite.
Javé, aquele que é, depois da morte de Osíris, tirou o culto de Isis, a
Flor-de-Lis, que tinha se tornado andrógina por ocasião da morte de Osíris. Essa carta representa o primeiro século antes
de Cristo. O nome dela é “O Mágico”. A mesa esconde a quarta perna mostrando só
três em referência ao terceiro caminho.
Reginaldo
jogou sua carta. A carta tinha o desenho de um velho de bengala segurando uma
lâmpada para iluminar a escuridão.
– Que carta
é essa?
– É o
declínio do Império Muçulmano sendo travado pelo cristianismo. Século VIII. O
nome da carta é “O Eremita” que ilumina a justiça com imparcialidade da
sabedoria amadurecida.
James joga
sua carta. Na carta tinha o desenho de um homem em chamas com uma espada
segurando as rédeas em um carro arrastado por dois cavalos.
– Qual
significado dessa (??????)?
– Dizem que
é Maomé carregando o emblema do Islã. O Islã que significa: submeter à força a
crença em um único deus. Ele está conduzindo seu exército para destruir Caaba.
Quer a vitória a qualquer custo para a satisfação de seu próprio ego. É o
século VI. A carta tem o nome de “o carro”. Novamente os dois caminhos sendo
representados pelos cavalos.
Wilson joga
a sua carta. Ela tem o desenho de uma mulher com uma coroa de ferro na cabeça.
Em uma mão segura uma espada e na outra uma balança.
– E essa?
– Essa é a
lei do Islã sendo imposta à força da espada em nome da justiça. É o século VII,
quando os árabes expande seus domínios. O nome da carta é “a justiça”. Aí estão
representados os dois caminhos na balança e a espada que cortar esses dois
caminhos à força.
Agora com
duas cartas nas mãos é James que lança uma carta na mesa chamando o jogo. A
carta tinha um esqueleto com uma fina e comprida foice em campo cheio de caças
e corpos separados.
– Essa só
pode ser a morte, não é?
–
Exatamente! É o século XII.
Wilson joga
uma carta com os desenhos de um macaco e um cão girando uma roda com uma
esfinge por cima segurando uma flecha.
– E essa
carta aí, o que significa?
– Essa eu
não sei, mas dizem que a esfinge tem a ver com sabedoria. Deve ser por isso que
é chamada de “roda da fortuna”. Os dois cominhos estão representados pelo
macaco e o cão que tentam destruir o conhecimento do terceiro caminho.
Reginaldo
jogou a carta do século V, certo de que ganharia a partida. Porque estava entre
o Papa e o Carro. A Justiça e o Eremita já tinham sido lançadas. Assim como o
imperador e a imperatriz. Na carta tinha um jovem entre duas jovens em uma
encruzilhada.
– Que carta
é essa?
– "os
dois caminhos".
– Dois
caminhos?
– Sim! Só
existem dois caminhos.
– Tem
certeza?
– Ora, pois
saiba que em um caminho só é seguro se andar pelo lado esquerdo ou pelo
direito, andar no meio é morte certa.
– Mas o jovem
aí não decidiu que caminho seguir.
Onório olha
uma das duas cartas que tinha no baralho e percebe os desenhos de dois jovens
em um jardim próximo de um muro inacabado. Dois
Jovens. Olha a imagem do sol desfazendo o orvalho. Não ganho com essa carta, mas não posso jogar a outra. Concluiu que
se tratava do século XVIII. Jogou a carta.
– Não vai
perguntar que carta é essa?
– Já sei
que se trata do sol iluminando os caminhos.
– Muito
bem! Então vamos apostar tudo na última carta?
– Eu
aceito!
Todos de
acordo, mas ninguém queria iniciar o jogo. Reginaldo propõe que decidissem o impasse
com uma moeda.
– Nós dois,
Onório, vamos decidir. Escolhe o que você quer, cara ou coroa?
– Como
assim, cara ou coroa! Somos quatro. Vamos decidir os quatros.
– Mas só
existe cara e coroa. Não existe mais de duas alternativas.
– Devem
existir até mais de três alternativas.
– Não! Não
existe. Somente duas alternativas. Cara ou coroa. É ou não é? To be or not to be: that is the question
without solution.
– Nem cara nem coroa! É minha razão,
porque nenhuma pode ser excluída.
– Essa não
é uma terceira alternativa.
– Por que
não? Quem escolhe cara ou coroa, de uma forma ou de outra está errado. Não
escolher é o certo.
– Vamos! É
preciso escolher. Já está na chuva tem que se molhar. Porque não se pode
acender uma vela para Deus e outra para o Diabo e nem deixar de acender a vela.
– O que
tenho a perder e a ganhar em uma escolha?
– Bom!
Visto que é absolutamente necessário fazer uma escolha, isso já está decidido,
tendes a ganhar somente aquilo que tendes a perder. Se ganhares, ganhará tudo;
se perderes, não ganhará nada.
– Mas é uma
aposta muito grande! Qual a probabilidade de ganhar e de perder?
– Vamos! É preciso escolher entre cara ou
coroa.
– Quais as
probabilidades de ganhar escolhendo cara?
– A mesma
probabilidade de perder escolhendo coroa.
– Uma moeda
não é feita só de cara e coroa.
– É sim, de
um lado é cara do outro, coroa. Tudo no mundo é feito somente de opostos.
– Não
existe nada entre a cara e a coroa?
– Não, não
existe. De lado é cara e do outro coroa. É tudo.
– Então não
pode existir cara sem coroa, nem coroa sem cara?
– Não pode.
– Então
tanto o inferno como o céu depende um do outro para existirem?
– Como?
– Ora, o
bem e o mal, a luz e a escuridão, o polo positivo e negativo são um todo, que
sem um deles não existiriam?
– Assim é.
– Logo,
quem vai para o céu só é possível por causa do inferno. No céu que é bom, onde
não se come nada, só se reza. E se vive para sempre fazendo isso, depende do
inferno, que é mal, onde só arde, mas não queima. E se vive para sempre fazendo
isso, depende do céu que é bom?
– Não sei
mais o que dizer.
– Ora, não
foi Deus que fez a separação de tudo sem colocar o meio. Quando colocou no
meio, o meio não permaneceu. Então Deus dividiu.
– Que meio?
– Quando
Deus colocou a árvore no meio do jardim ele a dividiu em duas partes, bem e
mal. O varão, macho, que colocou sozinho no jardim, Deus viu que não era
possível e também o dividiu formando macho e fêmea. Nota-se que disse Deus que
os dois eram um só. Portanto Deus ao criar a sua imagem e semelhança, macho e
fêmea, não estava dizendo que ele é macho e fêmea? Não foi a serpente que disse
à mulher que o segredo do conhecimento de Deus é o bem e o mal? Notadamente cara e coroa é um só. A árvore
não tinha um outro aspecto senão agradável. Portanto o bem e o mal junto são
agradáveis até à vista. Deus só conhece os opostos. O branco absoluto é a união
de todas as cores. O preto absoluto é a ausência de todas as cores. Qualquer
cor intermediaria é proporcional à quantidade presente ou ausente de preto no
branco.
– Mas o
purgatório está entre o céu e o inferno.
– Mas ficar
para sempre no purgatório tem que ser bom na mesma proporção que se é mal. Se a
balança pender para o lado bom ganha o céu. Do contrario, se pender para o lado
mal ganha o inferno. Mesmo no purgatório está dividido em dois lados. Há de se
concluir que indo para o céu ou para o inferno, a vida eterna está garantida.
Portanto, quem está no céu rezando e glorificando, nada mais alem disso, o
senhor do céu, não pode dizer que está em melhor situação do que aquele que
está no inferno quente. Porque o fogo do inferno não consome os corpos. A
imigração para ambos os lados é inevitável. Porque quem não gostar do frio e da
vida tediosa do céu passará para o inferno. O mesmo acontece com quem não
gostar do calor do inferno. Não foi um anjo do céu que se tornou rei do
inferno?
– Isso
explica por que Deus usou o plural "façamos" para criar o homem?
– Se não
existe a terceira alternativa, de duas uma: ou Deus é tudo em um, ou é um
plural deliberativo que indica ter Deus tomado a decisão conjuntamente com sua
corte celeste. Se não teria dito "faço o homem a minha imagem e
semelhança". A terceira alternativa, mas óbvia, é que o escritor do texto
primitivo não ficou atento ou então queria dizer que Deus criou tudo sozinho,
mas para criar o homem precisou de ajuda. Nesse caso a Bíblia é uma criação
meramente humana.
– É por
isso que digo: cara ou coroa?
– Nem cara,
nem coroa. Voltamos à questão primitiva do ser e não ser. O ser pode vir a
não-ser? Como o velho e o jovem? Que aquele vem a ser este?
–
Certamente que sim.
– Então o
ser vem a não-ser e o não-ser vem a ser? O caminho que sobe não é o mesmo que
desce?
– Digo que
sim.
– De onde
nasceu o mesmo caminho que sobe e desce? Do não-ser não te é licito dizer,
porque o ser não pode ser gerado de um não-ser. Mas como queres que tudo seja
feito de opostos, necessariamente tudo existe ou nada existe. Só posso concluir
que o que está no meio dos opostos só pode ser o homem.
Wilson,
impaciente, joga sua última carta em cima da mesa. A carta tinha a figura da
lua crescente iluminando um homem enforcado em suplício com uma das pernas esticada
e a outra perna traçando uma cruz.
– Não vai
perguntar?
– Não, essa
deve ser o século XI. E certamente significa sofrimentos – James jogou sua
carta. Na carta tinha o desenho de uma lua ofuscada pelas nuvens. Ao longe o
desenho de duas torres. Um cão e um lobo em um monte próximo uivam. Da lua se
percebe que lágrimas e gotas de sangue escorrem de sua superfície. O pouco
brilho da lua ainda consegue iluminar uma lagosta emergindo da água parada de
uma lagoa. As duas torres estão separadas por um caminho que a lua chora por
não poder iluminar direito.
– Essa é a
Lua e representa o século XVII.
Reginaldo jogou sua ultima carta. Ela continha o desenho
de um anjo em cima de uma pequena nuvem assoprando uma trombeta. Em um
cemitério, de dentro de um tumulo, saem um homem, uma mulher e um menino.
– Essa, meu
amigo, é o século XIX. Ela se chama “O Juízo”. E novamente o juiz tenta decidir
se existe ou não o terceiro caminho.
Onório jogou uma carta que continha o desenho de um
sujeito com uma aparência desembaraçada e todo fantasiado com roupa e boné de
palhaço e, com uma sacola na mão, próximo de um abismo sendo segurado pela boca
de um cão.
– Que carta
é essa que joguei?
– Essa eu
também não sei. Talvez ela signifique um louco com uma bomba. O nome dela é
exatamente: o louco. É o século XX. É a loucura da busca de um novo caminho.
Depois que terminaram o jogo Onório perguntou.
– Como
vocês ficaram sabendo dessas coisas? Pelo que conheço vocês, todos aqui são
pessoas que não têm nem mesmo o ensino fundamental completo.
– É
verdade, mas eu sempre li quando não tinha nada aqui para fazer. Tenho ali –
apontado para uma caixa de papelão – alguns livros de faroeste. Na maioria é de
Tex Willer, mas seu Maranhão nos deu alguns livros que ele guardava dentro do
tubulão.
– Que mais
ele falou a respeito dessas cartas?
– Quase
nada do que já dissemos. Ele, como você sabe, inventava umas viagens para o
Egito. Disse que passava por Baalbeck, Acre e Paris. Nessas viagens ia visitar
a Catedral de Chatres e a esfinge de Gizé.
– E o que
ele fazia nesses lugares, ele falou?
– Não, mas
disse que os cavaleiros templários sabiam através da carta “o diabo” que seriam
eliminados e que antes tomaram uma precaução.
– Que
precaução?
– De
distribuir pelo mundo essas cartas.
– Por quê?
– Porque o
nome “tarô” é um anagrama com dois significados que só quem está preparado ou
descende da ordem pode desvendar o segredo.
Capítulo
9
Onório
ligou o Notebook na bateria do motor da balsa. Conectou o pen drive.
Abriu o livro e leu.
Prólogo
Nunca escrevi um livro. Não
tenho boa formação nem conhecimento das correntes literárias do meu tempo. E
isso me causa apreensão. Tanto que não sei por onde começá-lo. Na verdade, não
sei dizer se é uma epopéia, um romance ou um tratado filosófico. Mas posso
dizer que este livro trata de lembranças de um amigo que tive a oportunidade de
conhecê-lo em vida, porque já está morto, nesses caminhos que a vida nos leva.
O contato que tive com ele não foi de um longo tempo, mas tempo suficiente para
umas boas conversas. Amizade se fazem muitas por essa vida afora. Sempre gostei
de viajar e conhecer lugares e pessoas. Mas não são todas as pessoas com quem
podemos nos relacionar. Mas meu amigo André tinha um jeito especial de me
cativar. Ele sempre vivia dizendo que responderia todas as minhas perguntas,
fossem elas quais fossem. Eu que achava impossível. Então não perdi tempo em
fazer-lhe a primeira pergunta para que ele ficasse sem resposta e assim
desmascará-lo de vez.
I
Sabendo que
não obtinha resposta perguntei:
– Entre a
vida e a morte. Existe algo entre a vida e a morte? O que é vida? O que é morte?
– É uma
pergunta difícil de explicar, mas tento. Assim como a sabedoria, também é a
vida. E como ignorância, também a morte. E como a inteligência, que está entre
a sabedoria e a ignorância, também existe o ente-vida-morte.
– Como
assim? – apesar de ter entendido queria que ele se explicasse melhor.
– Explico.
A vida é orgânica, a morte inorgânica. E o que não é orgânico, nem inorgânico é
o ente-vida-morte. Porque está entre a vida e a morte.
– É
possível que exista algo entre a vida e a morte que não seja orgânico e
inorgânico?
– Não se
trata exatamente de ter ou não ter organismo. Mas em uma fase intermediaria
entre a vida orgânica e a morte inorgânica. O metal mercúrio é um estado da
matéria, em temperatura ordinária, entre líquido e sólido. Em contato com o
ouro, em quantidade proporcional, passa rapidamente para a solidez. Por causa
dessa capacidade de passar de um estado físico para outro é que vocês, que são
garimpeiros, usam o mercúrio para separar o ouro de outras substâncias. Porque
quando vocês colocam a chama do maçarico em cima do bolo formado por ouro e
mercúrio, rapidamente o mercúrio vai para o estado gasoso, enquanto que o ouro
permanece sólido. Um vírus não é orgânico, nem inorgânico. Está entre a vida e
a morte. Quem for infectado por vírus, O ente-vida-morte, está literalmente
entre a vida e a morte. O vírus é um fenômeno natural que harmoniza a vida e a
morte. Assim como tem pouco saber no mundo e muita ignorância, há mais morte do
que vida. A vida se nos apresenta como algo imaterial que provém de mecanismo
da matéria. Mas não existe vida fora da matéria. A vida não é um movimento. O
movimento da matéria produz a vida. Há
vida que não se movimenta e morte que se movimenta. Quanto à relação de
dependência, a vida necessita da morte, mas a morte não necessita da vida.
Portanto a vida é dependente da morte. Como há mais morte que vida, nasce o desejo
da imortalidade.
– Como é a morte?
Se for possível alguém responder. Quem morreu não voltou. Quem é vivo nunca morreu.
– É
possível sim. Pense no seguinte, tente lembrar de algo que você vivenciou há
duzentos anos.
–
Impossível lembrar de algo que não presenciei.
– Isso
porque você não existia como vida. Era só inteligência sem vida e sem morte. Um
espermatozóide que ficou em um substrato que lhe proporcionou a passagem para a
vida e não para a morte. Se antes da fecundação tivesse fixado em uma pedra,
por exemplo, teria se transformado em morte. A morte não é nada para a vida
assim como a vida não é nada para a morte. Com a morte nós nada sentimos. A
morte do corpo não implica o fim definitivo do indivíduo. Mas existimos como
matéria. E assim como a sabedoria só tem valor em razão da ignorância e a ignorância
perde seu valor em confronto com o conhecimento, também a vida só tem valor em
razão da morte. Viver eternamente não faz nenhum sentido. Porque se acabam as
paixões e todo sentido da vida. A vida somente pode deixar sua marca como vida.
– Qual é a
marca que a vida deixa, então?
– As marcas
da vida são mais profundas que as da morte porque se utiliza do ente-morte para
deixar suas marcas. E tais marcas são tantas que só estas bastam:
– Quais
marcas?
– O legado, genótipo, fenótipo e a cultura.
Essas são eternas enquanto vida. Toda vida carrega o gene que o produziu. É a
semelhança, o primeiro caso de imortalidade. Trata-se dos constituintes
hereditários que são transmitidos pela prole. A imagem deixada pelos caracteres
iguais é o segundo caso de imortalidade. Quando uma vida passa para a morte,
contribui para a vida e a morte. É o ente-morte e o terceiro caso de
imortalidade. Esse processo é o caso de eternidade.
– E a
eternidade é possível?
– A
eternidade é um fato. Tudo que existe, enquanto matéria, é eterno. Mas a
imortalidade não faz sentido; porque todos buscam a felicidade. E no que
consiste a felicidade? A felicidade não está na vida, mas no prazer que a vida
pode nos proporcionar. A vida de um homem começa no prazer de viver e termina
quando cessa esse prazer. Os demais animais não sentem nenhum tipo de
satisfação além do intuitivo. Mas já é possível observar cultura e aspiração em
algumas espécies de rápida evolução. O prazer humano consiste nas realizações
pessoais e coletivas. Não se pode realizar nada na imortalidade. Não é possível
realizar nenhuma atividade. A religião “acerta”, em parte, quando imagina que
em uma outra vida não se faz nada, a não ser rezar. Mas nem rezar é possível.
Não há como pensar na imortalidade, porque o imortal não tem necessidade fisiológica
ou de qualquer natureza. Não faz sentido nenhum viver, para um humano, como um
deus. Porque seriam tantos deuses quantos humanos existissem. Posto que o
melhor seja mudar de fazes e de formas. Não existe uma fórmula certa para o
ordenamento da vida; porque a felicidade é só uma, mas os desejos e prazeres
são diversos. Mas alguma coisa deve-se levar em conta: é preciso eliminar os
medos inúteis como o medo da morte e dos deuses. Deve-se evitar a morte
antecipada artificialmente, mas não a natural. De forma que o medo da morte é
tão inútil, porque quando a vida existe, não existe a morte. Do contrário
quando existe a morte não existe a vida. Portanto não se deve rejeitar a vida,
nem temer a morte. A morte para a vida é inevitável. Está incorreto o ditado
que diz: “para este o melhor era que não tivesse nascido.” Ora! Uma vez nascido
não é nenhuma tolice viver bem quando é jovem e morrer bem quando é velho. Tem
se que levar em consideração que um bem para nós pode ser um mal e um mal pode
ser um bem. Concorda que a independência é um bem? Certamente concorda, mas não
existe independência em termos gerais. Porque existem independências naturais e
essenciais, tais como fome e sono, a vida que da qual não se pode viver. As
dependências que não são naturais nem essenciais como: fama, beleza, sucesso,
glória são artificiais. Mas estas são os prazeres da vida. São estas que dão
sentido à vida. Quem não tem necessidade de glória, beleza, fama, saúde é
somente um animal. Para este a vida não faz nenhum sentido. Todo animal irracional
não tem conhecimento da vida. Quanto ao sofrimento, não é possível viver sem sofrer
por causa das paixões que tornam o homem sempre inquieto e insatisfeito e todos
sofrem dessa mesma doença. E a inquietude é o efeito não a causa das ações não
realizadas. Uma sabia lenda do primitivo povo da América do orte garante que o
coiote, para o bem dos homens, livrou-os da imortalidade, pois temia que a vida
eterna o entediasse. De fato o tédio pode levar ao suicídio. Como afirmou
Sêneca que a vida e o próprio mundo começam a enfastiar e instalar na mente um
questionamento próprio de quem apodrece em meio aos seus próprios prazeres:
“sempre a mesma coisa! Até quando isso vai durar?” É preciso gostar de viver.
Só se sente prazer de viver se entregando aos prazeres da vida. Essa é a nossa
dádiva: trabalhar em busca da satisfação. Não há, nesse sentido, um modelo de
vida perfeito e imperfeito. A paixão é um sentimento tão profundo que é o único
caminho para o amor. Quem se julga sábio porque evita as paixões está
equivocado. É nas paixões que as intensas emoções fluem o pensamento. Quando
despertamos para o mundo, ficamos extasiados com tudo. Na adolescência achamos
a vida mais prazerosa e bela. Somos, nessa fase, parecidos com os outros
animais que não estão nem um pouco preocupados com a falta ou a abundância de
alimentos. Desde cedo despertamos o desejo de conhecer porque o desejo é
inerente ao homem e nasce do assombro que sentimos diante da beleza do mundo.
Também porque todo conhecimento produz uma sensação de prazer. É onde nasce em
nós a filosofia. Todos nós somos filósofos. Não se vive sem filosofar porque
não podemos viver sem questionar o mundo que nos cerca. É por isso que eu
pergunto, e fico zangado comigo mesmo, porque tanto pergunto. Mas por que
pergunto? As minhas indagações sem respostas têm me colocado em apuros. Mas
também estive em apuros por falta de indagação. Se Deus me proíbe o
conhecimento do bem e do mal, não posso falar do bem nem do mal porque não o
conheço. É preciso conhecer para entender. Se sou privado disso, a força que me
priva tem o egoísmo absoluto. Segundo nos dizem, o egoísmo é um mal. Não existe
algo mais malvado do que aquele que priva alguém do conhecimento de todas as
coisas. É como o sistema político despótico absoluto. Eu sou um fenômeno.
Porque se eu fosse criado por vontade consciente já sabia, quem me criou, que
eu seria e o que faria. Não, eu não quero ficar leigo. Quero conhecer de tudo.
Porque se o tudo existe e existe alguém disposto a conhecê-lo, é egoísta o
detentor desse conhecimento que priva outrem de contemplá-lo. Não preciso ser
um super-homem, só preciso ser homem para exercer minha vontade. Não preciso da
embriaguez de Dionísio nem da razão de Apolo. O que eu preciso é de razão e
embriaguez se essas me conduzissem à verdade. Quem prende uma ave numa gaiola
nunca esteve numa prisão. A vida é intuição e inteligência. Ela se adapta às
circunstâncias, mas não conserva, em todos, os instintos naturais. A vida, como
indivíduo, deve: fluir, jorrar, transbordar seus instintos naturais. Qualquer
força que priva desse fluir, jorrar e transbordar é egoísta porque quer ser o
detentor de tudo que há de mais essencial para a inteligência vital. Melhor
dizendo, para o fundamento da vida. Para que viver por simplesmente viver? Não
necessito de vida como sendo algo que simplesmente se movimenta sem entender
por que se movimenta. Se minhas investigações não chegam a lugar algum é porque
não há algo para se chegar. Não posso, por natureza, ser privado da
verdade.
Entre amar e ser amado, não necesssito de ser amado,
mas amar. Quem ama não precisa de adoração. Ama sem restrição.
– E Deus, onde entra nessa história? – Perguntei.
Já que ainda paira dúvida sobre tudo e a existência de Deus, como querem as
religiões, não é possível provar sua existência. É uma questão milenar que aos
poucos vai sendo desvendado o véu da verdade.
– Para
responder essa pergunta torna-se necessário recorrermos à dialética. É preciso
acima de tudo fugir totalmente do senso comum. E a primeira pergunta que me vem
em mente é a seguinte: O movimento existe?
–
Naturalmente!
– Então
considere o seguinte: em uma fita ou em um CD, que contém um filme. Esses têm
em sua mídia magnética o movimento das ações ou as imagens, dessas ações,
paradas em cada instante?
– Imagens das ações paradas em um
instante em que foram fotografadas.
– De forma
que o movimento não existe, porque o movimento não pode nascer da soma de
vários momentos de repousos. Se fotografássemos um projétil disparado por uma
arma em cada instante de seu movimento, obteremos uma série de instantâneos em
que o projétil aparece parado. De forma idêntica, para alcançar, em uma
corrida, a distância de cem metros, seria necessário primeiro alcançar a
distância de cinquenta metros; para alcançar os cinquentas metros seria necessário
primeiro alcançar vinte e cinco metros; para vinte e cinco, a sua metade que é
de doze metros e meio... Depois de trinta e seis sequencias para atingir a
metade do percurso chega-se à metade de 0,0000001 que é o instante zero.
Portanto o instante. Levando em consideração a lei física da impenetrabilidade
é impossível no mesmo espaço estar parado e movimentando-se ao mesmo tempo. Ou
estar parado ou movimentando. Inércia total deve ser o seu estado.
– Me parece
que tem razão.
– Mas se encontramos um espaço
vazio no corpo é possível sua movimentação. E o vazio é obrigatoriamente o
nada.
– O vazio é o nada com certeza.
– Portanto o vazio é o nada que os
corpos necessitam para se movimentarem para todos os lados?
– Assim parece.
– E o que está sendo movimentado
deve esse movimento por algo que o faz movimentar?
– É o que parece com toda certeza.
– É possível algo movimentar sem
ser movido como causa primeira? Ou seja, um motor que, sem ser movido, move todas
as coisas?
– Tudo indica que sim.
– Então Deus é um motor primeiro
que move sem ser movido. Mas não uma divindade criadora do mundo. Porque esse Motor
não é causa inicial, mas final. Não é esse motor que deu vida e origem ao
mundo. O mundo sempre existiu. De modo algum o mundo foi criado. Esse Motor é
ponto de chegada, não de partida. Meta final para qual tende toda realidade, como
um ímã que atrai sem se mover. Posto que seja onde o movimento termina. Podemos
dizer que o ser imovível que faz algo movimentar-se também é a causa do
segundo, terceiro..., movimento provocado pelo primeiro movimento? Considere
que o primeiro movimento depende diretamente do motor imovível que o fez
movimentar-se, mas o segundo movimento depende diretamente do primeiro
movimento para se mover, mas não do motor imóvel. Mesmo que o último movimento
seja provocado pelo primeiro a movimentar-se, não existe dependência direta,
mas hierárquica. Se a força que faz o primeiro movimento acontecer, deixar de
exercer influência no movimento primeiro, e, este continuar movimentando-se, o
último ser movido nada sofreria em sua trajetória.
– Isso é compreensivo, mas
duvidoso.
– Esse motor é compreensivo.
Devemos dar absoluta transcendência a esse motor?
– Devemos.
– Não podemos atribuir a um motor
que move sem ser movido nenhuma qualidade humana mesmo que esse motor tenha a
unidade?
– Não
podemos.
– O Motor é
a unidade de todos os seres visto que movimenta tudo. Se há transcendência
entre o motor e o movimento, o mundo não foi criado por um ato livre, mas
automaticamente irradiado. O mundo transborda do motor.
–
Certamente que sim. O mundo é emanado do motor.
– Mas esse
motor é uno? Visto que afirmamos que o motor é a unidade de todos os seres.
– É uno com
certeza. É um motor-uno.
– Então meu
amigo, aparece o dilema: esse motor-uno é inefável porque nenhuma palavra pode
descrevê-lo. Não se pode falar do motor-uno o que ele é, nem o que ele não é.
Porque está longe da compreensão humana. Visto que demos transcendência a ele.
Sendo assim não podemos atribui ao motor-uno qualidades humanas porque
diminuiria sua transcendência.
– Me
pareceu confuso.
– Explico!
Esse motor-uno existe como um bem supremo que não precisa de nada para existir,
visto que move sem ser movido, mas todos os demais seres necessitam dele para
ser o que é e ter valor?
–
Necessita.
– Portanto um ser perfeito?
– Perfeito
com certeza.
– Visto que
é um ser perfeito, certamente sua existência é uma realidade. Porque um ser
absolutamente perfeito não pode ser desprovido do atributo da existência.
– Não pode.
– É um conceito
lógico, como também é lógico o conceito que não basta ser perfeito em absoluto
para atribuirmos afirmação da existência de um ser com base na ideia que temos
dele sem uma experimentação perceptiva, mesmo que esse motor-uno possa existir.
– Não
podemos.
– Da idéia
que fazemos do motor-uno não deriva a existência de motor-uno. Mas se existe:
máximo e mínimo, luz e escuridão, afirmação e negação, tudo e nada convergindo
para um único ponto “motor-uno” para onde, nesse ponto, são anuladas todas
essas diversidades, então o motor-uno existe?
–
Certamente que sim.
– Já
dissemos que o motor-uno é a unidade de todos os seres?
– Dissemos.
– Dissemos
também que o motor-uno não necessita de nada para existir?
– Foi o que
dissemos.
– Então
podemos dizer que só uma substância pode existir como sendo o motor-uno. Porque
a matéria e o espírito não devem ser considerados substância. Porque o
motor-uno é livre e eterno. E quanto a sua liberdade, age sob o impulso da
necessidade da sua natureza. E como o motor-uno é único, tal não admite nada
fora de si mesmo, mas deve compreender o mundo inteiro?
– Parece
que sim.
III
– E a crença justifica a
existência de Deus?
– Não
podemos minimizar a infinitude e a grandeza de um ser só porque os sentidos e
os instintos não os concebem. Também, porque esse ser não deixará de ser o que
é concebido ou não. O ser é independente de qualquer ser. De outro modo não seria. Então não seria mais do que
vir a ser. Pensamento ordinário julga o ateu imoral, mas a imoralidade está no
conceito social. É mais vantajoso para mim viver como se Deus existisse. Deixar
a vida me levar, faz mais sentido que levar a vida enquanto vida. A Vida não se
deixa ser tocada. O conduzido não conduz o condutor que sabe o caminho. Aquele
tem opinião, este é a condução que não precisa da razão. A moralidade é mais
que uma necessidade social. Ela está pingente em toda forma de vida na mesma
proporção da linguagem que, para os animais, denominamos instinto. Este não
poderia existir sem os sentidos que os geraram. Por intuição digo que nenhum
ser possa, por si mesmo, concomitantemente ocupar meus cincos sentidos. Isso
porque sempre lhe faltará algo. O sentido que nos conduz à realidade da matéria
é a audição. Posto que este só seja possível pelo conjunto que sem o qual o som
não chegaria ao órgão do sentido. Não é o som que conduz a matéria, mas o
contrario é conduzido por esta até o seu fim determinado, pela experiência, a
um significado. Assim sua propagação cessa somente com a finitude da matéria
condutora. Quem acredita em uma vida
após a morte considera que tal vida póstuma é eterna. Só se morre uma vez, e o
que temos nessa vida são, além dos essenciais e naturais, desejos artificiais
de uma póstuma existência vital. Em uma outra vida, material ou sobrenatural só
seria possível se fosse possível uma nova morte. Fora da matéria a vida não
teria necessidade de nada. Não tem necessidade de conhecimento porque já
conhece o tudo e o nada; não tem necessidade de potência e presença porque já
tem. Não faz nenhum sentido viver porque a vida não necessitaria de nada para
ser vida. É como uma substância mineral que não precisa de outra substância
para ser o que é. De forma que o Deus da religião não pode ser onipotente, porque
o seu poder é relativo e, portanto limitado. Visto que necessita de adoração,
oferendas, dedicação e total obediência de suas "criaturas". Também
não pode ser onisciente porque conhece o princípio e fim e tal conhecimento
colocam Deus dentro do tempo em razão da onipresença. Portanto Deus não pode
ter criado o tempo estando fora do tempo. Sendo assim só é possível explicar
sua existência se furgirmos do senso comum e partirmos da premissa de que “tudo
que tem um início tem um fim”. A primeira Substância pura e perfeita sofreu
reações físico-químicas que permitiram originar outras substâncias secundárias
e as secundárias terciárias.... Como uma cadeia ininterrupta de uma árvore
genealógica que mantém a harmonia no universo. Essa harmonia é tão perfeita que
não podemos chamá-la de imperfeição. O conjunto é perfeito. A imperfeição está
na ação e manipulação individual e impensada da modificação do estado natural.
Não há mais “mistério no mundo que a nossa vã filosofia possa mais imaginar”.
Tudo foi desvendado, não existe mais mistério, tudo é fenômeno. Portanto meu
caro amigo, Deus é um fenômeno, ou seja, uma substância que sofreu a ação de um
fenômeno natural e necessário para a estrutura atual do universo. Voltar para
essa substância é voltar para a estrutura primordial. Isso só seria possível
com a unificação das diversidades existentes em um todo. Como fazem os
fabricantes de remédios, que precisam da fórmula certa para certa doença. Portanto
respondendo a sua pergunta sobre a existência de Deus através da crença, digo
que a crença, posto que seja uma confiança de crédito íntima que se dá a um
argumento de persuasão, não é sinônimo de convicção, mas de ingenuidade. Ninguém
acredita no perceptível. Porque o que é percebido não precisa de crença para existir.
Um ser não pode existir só porque nos persuadiram a crer, com argumentos
sofistas, a crer que ele exista. A crença não faz um ser existir, mesmo que
esse ser exista.
IIII
– Existe
alguma chance da existência concreta de Deus?
– Muitos
filósofos e teólogos encontraram diversas formas diferentes de como poderiam
falar da existência de Deus. Como não existe um meio tangível e concreto para
uma prova definitiva, ficou somente na especulação e no modo de pensar e não
pensar na existência de Deus. Tentaram mostrar Deus através do movimento, mas
chegamos à conclusão que nem mesmo o movimento pode ser real. De qualquer forma
posso afirmar que se pensar em Deus como sendo o Deus da religião que quer que
o adore como se fosse um ser humano, esse não existe. Porque esse é um Deus da
abstração. Mas se existisse, meu amigo, seria preciso que fosse necessariamente
justo, pois, se não fosse, seria o mais maldoso e o mais imperfeito de todos os
seres. Não é possível que Deus faça algo injusto, uma vez sequer, porque
diferente dos homens que podem cometer injustiças porque têm interesse em cometê-las,
porque agem em razão de interesse, Deus não teria necessidade de nada, visto
que se basta a si mesmo, seria o mais malvado de todos os seres, porque seria
sem interesse. Cada povo crê nos seus deuses, mas há povos que não acreditam em
deus algum ou no meio dos crentes há os ateus. Mesmo as mudanças de hábitos
para a adequação, só reforçam a tese de que a dúvida persiste. Agostino duvida,
acertadamente, que o mal talvez tenha penetrado no mundo pelas substâncias que
Deus usou para fazer a matéria quando deixou algumas partes que não transformou
no bem. Ora, isso não limita os atributos de onisciência, onipotência e
onipresença? Ele acha que Deus quis usar algo da matéria mal para alguma coisa
e por isso não usou sua onipotência para aniquilá-la. Mas isso nos leva a crer
que Deus usou, para seus propósitos, algo que Ele não criou. O mal. Assim Deus
não criou tudo que existe. De outro modo não pode aniquilar a matéria mal para
não ferir a si próprio em razão da onipresença. Posto que tudo toca em tudo sem
que um ser exista sem tocar em outro ser. A criação do universo por uma vontade
arbitrária de Deus fica debilitada quando procura as proporções. Porque se Deus
criou o universo finito, colocou, pois, limite na sua criação. Do contrário, se
fez o universo infinito criou sua obra indefinida. Daí não se pode afirmar que
o fato de pensar em algo imensurável e maior que tudo justifica o pensamento da
existência. Porque a ideia é o único ser que se pode pensar que existe e não
existe. Penso que a própria ideia que penso existir, pensa não existir. Ambos
são opostos. O mesmo ser que do qual não é possível pensar nada maior goza do
mesmo atributo, em oposição, do ser que do qual não se pode pensar nada menor.
É a prova ontológica do significante que gera o significado. Mas aquele é o
objeto e este a cópia. Não se pode falar de livre arbítrio porque não foi dada
escolha no principio. Não foi perguntado a nenhum ser vivente se este queria
viver. Disso não me lembro.
Portanto se você me perguntar quem é Deus, digo que é
uma ideia. E essa ideia de Deus nasce da ideia de perfeição absoluta. Mas por
varias razões o Deus da religião não tem nada de absoluto em matéria de
perfeição. Exatamente por ser, Deus, uma idéia não pode ser perfeita. O abstrato
não pode criar, mas ser criado. A Ideia de Deus caracteriza-se e projeta-se na
ideia de perfeições humanas. Todos os valores imensamente apreciados pelo gênero
humano se atribuem a um único ser que denominamos Deus. A onisciência de Deus
nasce da necessidade do homem de conhecer e saber. O amor de Deus nasce do amor
que sentimos. Mas como o amor humano é falho, porque é recíproco ou
interesseiro, procura-se um ser cujo sentimento de amor seja perfeito. Mas o
Deus da religião também é imperfeito, visto que necessita de adoração. A
virtude de que mais sentimos faltas é a justiça. Por isso dizemos que Deus é
justo, mas não se pode falar em justiça perfeita de Deus. Portanto meu caro amigo,
todas as qualidades atribuídas a Deus são qualidades do ser humano.
– Como
assim?
– Deus tem
tudo aquilo que lhe falta. É o seu oposto. Já vistes alguém que é convencionado
as perfeições se tornarem deuses ou semideuses. Jesus se tornou um Deus. E
outros santos, os Semideuses. Estes capazes de realizar milagres. Mas a sua
pergunta foi se Deus existe concretamente como sendo uma pessoa que age
conscientemente e que está no céu observando o mundo?
– Isso
mesmo.
–
Impossível. Mas atribuíram essa qualidade ao justo Jesus que tanto acreditou
nessa possibilidade. Mas Jesus não é um "Deus". Qualquer que seguir
seu exemplo também será considerado um "Deus". Por convenção, esse é
o único Deus concreto do mundo cristão.
V
– E a religião, qual o seu papel?
– Essa é
mais maligna que benigna. Entre tantas características, digo que serve para por
um freio nas forças vitais do homem. Não se faz ou deixa de fazer alguma coisa porque
é benigno ou maligno, mas porque não é convencionalmente teológico. Não se
pratica sexo com o instinto por causa da racionalidade do pecado e a vigília
permanente de Deus. Ora! É sabido que a concupiscência é um estado natural do
instinto de procriação. Como uma necessidade de alimento para a própria
existência vem o desejo da existência da espécie. Na religião não se é solidário
porque se é solidário, mas por que espera uma recompensa divina. Qualquer que
seja uma religião, representa uma forma de alienação. É uma patologia que
submete inconscientemente o homem a um ídolo. Ver que qualquer avanço no campo
teológico transforma a humanidade em rebaixamento. Porque o fundamento da
glória de Deus está na diminuição do homem, a miséria humana é o bem-estar de
Deus, o poder de Deus está na fraqueza humana. A religião é uma ilusão perigosa
e fatal porque destrói as forças para a vida real e faz-nos perdermos o sentido
da verdade e da virtude, já dizia Feuerbach. Ninguém, com princípios
religiosos, faz alguma coisa sem levar em consideração Deus. Dá-se um em troca
de dois. Grande Feuerbach! “A religião é a separação do homem consigo mesmo:
ele se põe diante de Deus como um ser contraposto. Deus não é o que é o homem,
o homem não é o que Deus é. Deus é onipotente, o homem impotente; Deus é santo,
o homem pecador. Deus e o homem são extremos: Deus é o polo positivo, a soma de
todas as realidades, o homem é o pólo negativo, a soma de todas as nulidades.”
De fato, meu amigo, estou de pleno acordo quanto ao fato do homem sentir-se
separado de Deus, isso não significa que se trata de dois seres. Se fossem dois
seres diversos e não uma separação de um único ser, que me importa esse outro
ser. “Se realmente Deus é um outro ser, o que me importa sua perfeição?” De
comum acordo. Partilhou do mesmo pensamento o biógrafo que separou Jesus do
Cristo no momento da morte. Portanto o papel atual da religião é pôr um freio
nos instintos naturais do homem.
– Deus é eterno?
– Depende
que tipo de Deus, mas de qualquer forma, de modo algum pode não ter sido gerado
do nada. Existe uma terceira possibilidade do ser e não-ser, o ser-não-ser é a
questão. (cara e coroa e o ente-cara-coroa. O verso, reverso e o
verso-ente-reverso). Não existe o indivisível. O nada não existe. No princípio
era a antimatéria. Nunca existiu o nada. O nada, se fosse possível, geraria nada. A matéria
gera matéria. Portanto, respondendo sua pergunta, a eternidade de Deus depende
da existência humana. O mundo não existe por vontade ou necessidade de Deus,
mas Deus depende da humanidade para ser eterno. Deus morre junto com a
humanidade. Seriam necessários bilhões de anos para a evolução da vida animal
chegar às qualidades humanas para criarem novamente Deus.
VI
– E a perfeição humana é possível?
– O homem
para ser perfeito teria que ter um dos principais atributos de Deus.
– Qual?
– O
hermafroditismo. Seja que fenômeno foi que de tudo gerou era necessariamente hermafrodita.
O homossexualismo extingue a espécie porque foge da essência natural. Qualquer
outra forma justificada para a prática homossexual fica limitada á percepção e
o modo de sentir e agir de cada indivíduo que em muitos casos é uma patologia
provocada, na maioria das vezes, por distúrbios hormonais. Se não, um vício. No
caso das abelhas, que também vivem em sociedades, as operárias não têm nenhuma
função reprodutiva. Essa função fica a cargo do zangão e da rainha. Qual o sexo
das operárias? Não é macho, fêmea nem hermafrodita. Se a rainha não reproduzisse,
além das operárias, rainhas e zangãos, as abelhas teriam que passar por um
processo de mutação em curto espaço de tempo. A prática do homossexualismo não
é uma opção natural. Porque foge dos fenômenos naturais. Cada órgão tem a sua
função e o desvio de função provoca o mau funcionamento do organismo.
VII
– O conhecimento é possível?
– Primeiro
é necessário saber no que consiste o conhecimento. O conhecimento absoluto não
é possível. Mas partindo da premissa do ente-ser é possível conhecer o ser e o
não-ser. Mas não se conhece o ente-ser. Procura-se primeiro o conhecido, depois
o desconhecido. Admitindo a do mundo desconhecido: o ente-mundo. Portanto
existe a sabedoria, inteligência, e a ignorância. Que formatado fica assim:
sábio, ente-sábio-ignorante e ignorante. O sábio sabe que sabe. Mas não
necessita da ignorância para buscar a sabedoria? Ele a tem. Mas esta
manifesta-se na ignorância por via da inteligência. Do contrário, a ignorância
não tem conhecimento algum. Mas subiste(????) em razão da inteligência. A inteligência
que nem é sábia e tampouco ignorante, é refratora. Por isso é que a sabedoria
muitas vezes se confunde com a inteligência. Não há necessidade de amar a
sabedoria para se tornar um sábio. Mas deve-se desejar para possuí-la. Não é o
amor a coisa que obtemos a sua posse, mas o desejo de possuí-la.
VIII
– O que é verdade?
– A maior
história do mundo na verdade é uma mentira. O que é verdade? O que é mentira?
Sabe-se o que é esta, mas não aquela. Só pessoas dotadas de inteligência
conseguem desvendar a fundo a verdade da natureza. Ou seja, distinguir uma
coisa que não é verdadeira. Mas o filósofo é inteligente? Ele é, mas não possui
a verdade e nem conhece a realidade. Ele, com sua inteligência, enxerga a mentira,
mas não conquista a verdade. Mas é um ente-mentira-verdade. Não é o espírito
que conquista a verdade. Se fosse, só se conseguiria a verdade na morte quando
esse deixasse o corpo. Ninguém conhece a verdade. Mas existe vida após a morte?
Ninguém sabe a verdade. Qual é então a condição para se chegar à verdade? Aceitando
a mentira como uma verdade de mentira. É a força dos opostos que regula o
mundo. Tudo é antagonismo. O ser das coisas forma uma unidade de opostos. Ser
ou não ser não é mais uma questão. Na unidade de opostos há o ente-opostos. É o
que provoca a harmonia dos opostos. O nosso universo é o ente - mundo. O ente
mundo está entre o mundo e submundo. No mundo o que é quente não esfria, o que
é úmido não seca, o que é árido não umedece. Do contrario é o submundo. O
ente-mundo é a harmonia dos opostos. Porque no ente-mundo acontecem as duas naturezas,
uma do mundo e outra do submundo. No submundo, “um caminho em subida e em
descida é um só e o mesmo” assim pode se pensar no não-ser. Agora a escuridão
torna-se a ausência da luz e o silêncio do som. Pode-se pensar no tudo, no ente
- tudo e no nada. Erra feio quem quer enaltecer Deus afirmando que os opostos
coincidem todos nele. Se Deus é afirmação e negação, luz e escuridão, máximo e
mínimo, nele não há perfeição porque o raciocínio se estende a tudo que se
contraria. Logo nosso pensamento de bem e mal está nele. A verdade da morte só
é percebida pelos sentidos da visão. É a primeira impressão da morte. Os
sentidos auxiliam na verdade. Em razão das patologias nem todos podem alcançar
a verdade, mesmo que se esforce. Pelo menos o esforço reconhece a mentira.
Porque a idéia da verdade surge a partir de percepções sensitivas corretas e
fundamentadas em certezas absolutas através de experimentações. Nada, em absoluto,
é perfeito. No mundo, onde só há luz, é imperfeito. Porque há excesso de luz e
calor. No submundo, onde só há escuridão também é imperfeito. Porque só há
escuridão e frio. No ente-mundo também é imperfeito. Porque agrega a
imperfeição dos opostos. A perfeição está no todo.
Os que mentiram, mentiram por uma necessidade de
mentir. Por isso é que se tem dito que a mentira é útil ao homem. Porque
qualquer explicação é melhor que explicação nenhuma. Mas deve-see sempre ter a
verdade em grande consideração.
Capítulo 10
Onório pegou as cartas e
foi para dentro do tubulão. Pegou alguns livros e papéis. Saiu e foi para cima
de uma rocha no leito do rio. Pegou um dicionário, conferiu o significado de
anagrama. Tarô e Orta, Tarô e Rota, Tarô
e Torar, Tarô e Astro. O, R, T, A. Pegou apressadamente um caneta e
escreveu: rota da lei para a estrela
Onório Rodrigues Teófilo Antunes. – Deu
uma olhada na carta “o mundo” e – caramba! Tarô, além de ser um anagrama,
também é a sigla de tratado de aliança para deixar no rio Osíris. Tratado do arco-íris ou trado(????) da arca para ocultar Osíris.
Agora está claro. Osíris e Ísis eram casados, mas o deus dos hebreus Javé fez
uma aliança com a viúva Ísis e a relegou à condição de companheira oculta. Mas
Javé relegou Isis à condição de companheira oculta.
Onório
despediu dos companheiros e seguiu para o Maranhão com o objeto encontrado nas
águas do rio.
Capítulo 11
Dona
Francisca estava na cozinha de casa. – Bom dia, dona Francisca – foi
dizendo Onório.
– Bum dia meu fio! Já de volta!
– Já, dona Francisca. Estava com saudades
do calor nordestino.
– O qui você tá trazeno aí nessa mala pra
mim? Argum presente?
– Deu agora para adivinhar, foi, Dona
Francisca? – Abriu a mala e tirou uma imagem. – Olha o que eu trouxe para a
senhora, espero que goste.
– Um santo! Qui santo é esse?
– Não faço a menor ideia.
– dexa eu dá uma mirada, criança. –
Observou a imagem. – Mas num sei qui santo é esse.
– eu entrei esse santo nas águas do Rio das
Mortes.
– vou butar ele junto cum os outro.
– dona Francisca, a senhora está com algum
problema?
– Há! Meu fio, depois Juão morreu a coisa
tem ficado dificulutosa. Não tenio dinheiro pra mais nada. Mas vou viveno como
Deus quiser. Num é mermo meu fio? Purque é Deus qui diz a nossa hora.
– Eu trouxe algum dinheiro para a senhora,
da produção das balsas. Procurei vendas para elas, mas não achei comprador.
Ninguém quer comprar balsa em Minas porque o ouro que existe não compensa. E de
onde se tira e não bota.... também porque a polícia está sempre lacrando as
balsas por causa do mercúrio e o assoreamento das margens. – passou umas notas
de sem reais para dona Francisca. Mas eu deixei uns rapazes encarregados de
procurarem vendas.
– Obrigado, meu fio. Deixe as balsa cum
eles. As balsa é sua meu fio. É sua profissão.
– Obrigado, Dona Francisca. Mas vou
procurar Aparecida. Quero fazer uma surpresa pra ela. Como ela está? Tem visto
ela?
– Já teve aqui hoje. Falano de você – mas
antes de ir a casa dela quero primeiro ter uma conversa com padre Jeremias.
Onório se retirou e dona Francisca foi
colocar a imagem do santo em cima da mesa de oração. Fez uns voto para o Santo
Aparecido. Pegou um pano e começou espaná-lo. O pano fez uma volta sobre a
imagem o suficiente para derrubá-la no chão. – O meu Deus! – abaixando-se para
pegar a imagem que havia se partido ao meio e revelando um pó amarelo dentro de
seu corpo. – Mas...! Ouro! Meu Deus do
céu! O santo tava cheio de ouro! – Dona Francisca conhecia perfeitamente
ouro.
Capítulo 12
O padre
Jeremias estava
lendo a Bíblia em um cômodo da casa paroquial que transformou em escritório. A
porta estava semi-aberta quando Onório botou a cabeça para dentro dando um leve
toque na porta.
– Meu amigo, entre! Que o trouxe aqui? Até
parece que não somos amigos! Sente-se!
– Padre,
vou direto ao assunto. Padre, meu caro amigo, eu gostaria de fazer uma pergunta
para você. Desde que observei Fabiana não consigo ver ela como minha filha
biológica. E eu não gosto de arrodeio. Eu fiz um exame de DNA e deu noventa e
nove por cento negativos. Nunca disse nada para Aparecida e nem para Fabiana. A
minha esperança eram duas: primeiro que Aparecida me contasse a verdade,
segundo para ver se eu mesmo descobriria o verdadeiro pai da menina. Como eu
não conseguia descobrir e nem pegar Aparecida no vacilo, pensei que o pai de
Fabiana era algum viajante ou caminhoneiro. Não a culpo de nada. Ela ainda é
uma jovem e tem suas necessidades. Eu não sou casado com ela. Passo a vida
viajando para os garimpos. Gosto da minha solidão. Mas padre eu não sou tolo.
Você mais do que ninguém sabe disso. Não me deixo levar por força externa a
minha vontade. E o que penso, penso.
–
Certamente, meu amigo, você pensa ter encontrado a pai de Fabiana?
– Tenho
quase convicção disso. Mas não sou dramático. Não irei fazer escândalo com o
nome de ninguém. Mas fico imaginando como podem as pessoas gostar tanto de
mentiras. Parece que a mentira é que alimenta a humanidade. Por que, padre?
– Tens
razão. Você é um homem muito esperto. Mas tem coisa ainda nesse mundo que não
se explica. De uma forma ou de outra somos obrigados a preservar a mentira.
– Mentindo
ou falando a verdade, não se vive?
– Entendo.
Mas de qualquer forma peço que guarde com você a verdade. Sou um padre que
tenho vergonha e inveja de você. Você é um homem livre. Não precisa de nada
além da própria vida para viver e ser feliz. Quanto a mim, fico enclausurado
fingindo ser um homem honesto e santo. Sou um homem com todos os desejos
possíveis que um homem possa ter. Quantas vezes fiquei masturbando-me! Depois
de algum tempo não aguentei mais esse autoflagelo. Com medo de que Deus
estivesse me olhando. Meu pênis enrijecia entre meu corpo e a calça, apertado
entre a virilha e a coxa e o orgasmo era inevitável causando, em minha calça
branca, uma mancha amarelada de uma substância gelatinosa. Poucas vezes foi
possível mandar minhas calças para a lavadeira. Muitas noites eu tive de
terror, quando alguma jovem mostrava sua entranha no banco da frente. Os meus
testículos doíam reclamando por drenagem das células reprodutoras pelo ereto
tubo condutor. Quando não aguentava mais tirava o meu troço tão enorme e viril
em ereção, que Príapo e Backlum-Chaaam se sentiriam minimizados, e tocava uma
punheta. Ufa! Que alívio seguido de arrependimento passageiro! Certa vez eu
quase fui surpreendido pelo sacristão que tomou seu lugar, com a boca na botija
quando estava iniciando uma sessão de masturbação. Fechei rápido o zíper da
minha calça com o cacete liso de saliva das variadas cuspidas providenciais
quando já estava quase gozando. Outro dia tive de comer uma senhora pernuda que
anda trepando a torto e a direito. Desculpe-me o meu modo de falar, mas percebi
que deixar de comer um priquito é uma autoflagelação. Para eu ficar aliviado
basta enfiar o meu troço em um buraco qualquer. Fico de um jeito que não posso
ver nem um pinto cagando que corro para mexer o negócio para frente e para trás
até espirrar na ponta e pronto. Outra vez, uma fogosa cadela disse que estava
satisfeita porque seu marido só fazia papai-e-mamãe. Nunca se interessou em
comer sua rosca de chocolate com medo de engordar e transgredir os preceitos
religiosos e ser devidamente castigado. Quando vejo tanto xiri para serem
picados, fica difícil controlar os ardores do cacete e as agitações do cérebro
de tanto imaginar o imaginável, se isso fosse possível. A boa do celibato é que
não se marreta por obrigação, mas por desejo. Mas nem todos os buracos estão
disponíveis para enfiar essa coisa. É certo que não tenho liberdade sexual, mas
isso não é tão horrível assim. Porque não estou prejudicando ninguém com os
meus desejos. Não violento as senhoras e nem as obrigo a irem para cama comigo.
A vantagem é que cada uma tem seu jeito que lhes são peculiares. Aquela tem um
gostoso traseiro, mas é tagarela. Essa não fala nada, mas tem uma chupada de
louco! Sabe tratar uma vara como ninguém. Aquela outra, a mais linda de todas,
não quer saber de chupar, mas pede que eu enfie o meu polegar em seu ânus
quando está sentada em cima do cacete. De todo modo não existe uma lei que diga
que alguém tem que ser marido e mulher e terem filhos. Falo assim para você ter
uma noção de como tenho passado esses anos no celibato. Eu peço o seu perdão.
– Meu
amigo, fique tranquilo. Existem casos piores. Quantos pedófilos. Você não está
fazendo nada de errado com a lei da natureza. Fora dos instintos naturais o que
temos são conceitos e convenções. Ninguém é dono da verdade. Mas não posso
deixar de falar para Fabiana que eu não sou o pai biológico dela. O resto fica
por conta de vocês. Fique tranquilo porque nós somos uns joguetes nas mãos da
natureza que nos impulsionam a procriar. Essa força instintiva, escondida, é
biológica. Ela nos determina ao acasalamento e à reprodução da espécie. Se essa
força instintiva não nos dominasse, nós não colocaríamos filhos no mundo. O
orgasmo está associado ao acasalamento para nos induzir à procriação.
Capítulo 13
Onório chegou à casa de Aparecida. Entrou e
sentou no sofá. De dentro vinha o cheiro de feijão temperado com pimenta de
cheiro. Onório ficou atordoado pelo cheiro que quase foi abrir a panela para
tirar um pouco de comida. Pegou o controle da televisão e ligou-a em alto volume.
Aparecida gritou:
– Baixa o volume da televisão,
Fabiana! Ta surda, é? – Onório aumenta de volume.
– Fabiana, tu tá ficando doida?
Não sei pra quem tu puxou teimosa assim. – Onório aumentou até o ultimo volume.
– Espera, Fabiana, teu pai não
pode te bater, mas eu posso. – Foi até a sala.
– Meu Deus! É você, meu amor! –
correu para abraçá-lo. Segurou-o por meio minuto sem nada dizer. – Que saudade!
Como você está?
– Eu estou bem. Onde está Fabiana?
– Saiu. Mas não demora. Quer tomar
alguma coisa? Tenho suco de cupu.
– Cupu eu aceito. – Aparecida
trouxe uma jarra de suco.
– Que saborzinho exótico! –
estralando os lábios. – Eu a vi conversando com o padre Jeremias. Até parece
que é sua filha.
– Tá louco! Falando assim da sua
filha! Assim você me ofende. E ela que apesar de conviverem muito pouco tempo
juntos é sua fã. Vive dizendo que tem muita admiração por você.
– É, e eu também gosto dela, e
muito, mas não quero o drama do Pato Selvagem.
– O drama do Pato Selvagem? Que
drama é esse? Que pato selvagem é esse?
– Vou deixar você descobrir por si
mesmo. – Onório foi até o carro e trouxe um livro na mão. – Toma! Você é
professora formada em Letras. Enquanto você lê preciso falar com o padre
Jeremias a respeito de uma imagem.
– Mas... espere! – trêmula,
Aparecida leu o título do livro: Ibsen, seis Dramas: O Pato Selvagem.
Capítulo 14
Onório
levou o objeto
para o padre Jeremias fazer um reconhecimento.
– Padre,
você que é um iconográfico, diga que espécie de santo é esse? – perguntou Onório.
O padre observou-o e, de forma tranquila disse:
– É uma
estatueta de um santo em estilo rococó do período barroco encomendada pelo padre
João de Farias, que ele usava para catequizar os índios. Ele a carregava nas
expedições bandeirantes na época do grande ciclo do ouro. Certamente foi
encontrado com algum defunto ou foi jogado no rio.
– O defunto
era o padre?
– Acredito
que não. Alguém se apossou da imagem ou algum escravo se apossou da imagem para
guardar o ouro ou então comprar sua liberdade. Naquela época, quando a
exploração do ouro se achava em sua melhor fase, a produção era devida ao
trabalho intenso dos escravos. Então, os senhores donos das minas pagavam uma
pequena parcela pela grande produção. Mas se algum escravo encontrasse muito
ouro, tinha a oportunidade de comprar sua liberdade.
– Esse
certamente não queria que a coisa fosse assim?
– Tudo leva
a crer que sim. Mas não o escravo, talvez o dono da mina que se recusou a pagar
o quinto.
– O quinto?
– Era o
quinto do ouro produzido, cerca de vinte por cento em favor da metrópole
portuguesa. Regulamentada por um decreto sob o nome de Regimento dos Superintendentes,
guardas-mores e oficiais deputados para as minas de ouro. Eles chamavam de “quintar ouro” quando transformavam em barra, na
casa de fundição, o ouro que deveria circular. Somente era permitido circular
ouro em barra. O ouro em pó ou em grãos era proibido. Seriam exilados,
confiscados seus bens ou banidos da colônia quem infringisse esse dispositivo.
O ouro era guardado em imagens de santos para não deixar suspeita. Os
mineradores mais espertos faziam um furo no interior das imagens para fugir da
fiscalização da Derrama.
– Pois é,
padre imagine que a casa de dona Francisca vive cheia de gente querendo pedir
uma benção do Santo Aparecido.
– Deixa,
meu filho. Deixa as pessoas terem alguma coisa para adorarem. Não tem nada de
mal nisso não.
– Por mim
podem ficar como está. Podem adorar o seu santo. O seu Santo-de-Pau-Oco.