sábado, 26 de maio de 2012

Não existe amor sem sexo


O PROBLEMA: em que consiste o enamoramento?

A TESE: o sentimento de amor é básico para o individuo, certamente o tema mais abordado por todas as artes e pela cultura em geral. A filosofia deve ocupar-se do amor, afirma Schopenhauer. Mas exatamente nesse elevado nível, em que o homem parecer exprimir melhor a própria individualidade e espiritualidade, descobre-se uma ilusão. Por trás de toda manifestação do amor, mesmo a mais pura e sutil, está o instinto procriador, uma escondida determinação biológica voltada ao acasalamento e à reprodução da espécie. A tese de Schopenhauer, de forte sabor freudiano é a de que não existe amor sem sexualidade o homem é um joguete nas mãos da natureza e da vontade de viver, ilude-se ou voluntariamente se engana quanto ao verdadeiro escopo das suas ações; na realidade, todo enomoramento, por mais etério que possa parecer, está voltado para a continuidade da espécie. -Muito embora Platão, como já mostrei em um tópico aqui, diz que o amor homossexual não está voltado à procriação e, portanto, mais inclinado a um desenvolvimento num sentido puramente espiritual – portanto, para Schopenhauer, o amor é somente o instrumento usado pela natureza para perpetuar o gênero humano. De fato, se o homem não fosse dominado pelo instinto erótico nunca colocaria filhos no mundo, porque ninguém é tão maldoso, afirma Schopenhauer, a ponto de desejar a qualquer ser vivente a vida neste vale de légrimas. É por essa natureza associou o orgasmo ao acasalamento, para induzir o indivíduo a ultrapassar o senso da culpa ligado ao ato de procriar.
Todo enamoramento, por mais que queira mostrar etéreo, tem sua raiz unicamente no instinto sexual; ou melhor, em tudo e por tudo, é somente um impulso sexual determinado, especializado e rigorosamente individualizado...
O êxtase encantador que arrebata o homem à vista de uma mulher cuja beleza lhe apraz e que o leva a imaginar a união com ela como supremo bemé exatamente o sentido de espécie, que, reconhecendo o seu caráter claramente impresso nela, desejaria perpetuá-lo com a mesma. Dessa decidida inclinação para a beleza depende a conservação do tipo da espécie: por isso ele age com tamanha força...
Portanto, o homem é realmente guiado por um instinto que tende ao melhoramento da espécie, mesmo que se iluda ao pensar que busca somente um aumento do próprio prazer. De fato, o que temos é um instrutivo esclarecimento sobre a íntima essência de todo instinto, que quase sempre, como aquicoloca o individuo em movimento para o bem da espécie...
Em conformidade ao exposto caráter do assunto, todo enamorado, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual; tanto que agora já não se sente mais por ele impelido.
Logo, aquele desejo estava para todos os seus demais desejos na mesma relação em que a espécie está para o individuo – ou seja, entre uma coisa infinita e uma finita. A satisfação, ao contrario, só se realiza propriamente para o bem da espécie e não cai, portanto, na consciência do individuo, o qual, animado pela vontade da espécie, servia com todo sacrifício a um fim que não era o seu próprio.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Os Gêneros sexuais eram três


O PROBLEMA: quantos e quais são os gêneros sexuais? Por que existe uma atração sexual entre pessoas do mesmo sexos?
A TESE: por meio da narração de um mito, em estilo irônico, irreverente e espirituoso, Platão argumenta que os gêneros sexuais dos antigos homens esféricos eram três: o masculino, o feminino e o andrógino, um ser dotado de órgãos sexuais masculinos e femininos. A história do nascimento da sexualidade atual, o mito da separação do homem originário em dois troncos, por vontade de um deus ciumento, é usada por Platão para demonstrar a legitimidade da atração entre homens. O amor homossexual é antes preferível ao heterossexual, porque não voltado à procriação e, portanto, mais inclinado a um desenvolvimento num sentido puramente espiritual. Vejamos um trecho deBanquete.

O que deveis começar a aprender diz respeito à natureza originária dos seres humanos e à sua evolução, porque num passado distante a nossa natureza não era exatamente como hoje, mas se apresentava de modo diferente. Em primeiro lugar, a espécie humana era constituída de três gêneros, e não somente de dois como agora: o macho e a fêmea. Existia um terceiro gênero que participava de ambos, do qual ainda se conserva o nome, apesar dele mesmo ter desaparecido.
Naquele tempo, o andrógino existia verdadeiramente como gênero distinto, de nome e de fato. Participava dos outros dois, do macho e da fêmea; hoje, o que resta é apenas um nome, considerado mais como um insulto.
Em segundo lugar, cada um desses seres formava um bloco único, com dorso e flancos arredondados; tinha quatros mãos e pernas em igual numero; além disso, tinha dois rostos idênticos, sobre um pescoço também arredondado, mas somente uma cabeça emoldurava os rostos, opostos um ao outro; as orelhas eram quatros, os genitais, duplos, e todo o resto como se pode imaginar partindo desses dados. Quanto a andadura, podiam seguir eretos, como hoje, na direção que quiserem, ou ainda, quando andavam depressa, girando como os acrobatas quando dão cambalhotas, rodando e apoiando-se alternadamente nas extremidades, que à época eram oito.
Ora, se os gêneros assim formados eram três, a razão é que, originalmente, o macho descendia do Sol, a mulher, da Terra, e o gênero que continha um e outro descendia da Lua, uma vez que a Lua participa do Sol e da Terra ao mesmo tempo.
Compreensivelmente, eram esféricos e andavam em círculos, pois pareciam com os seus genitores. Dotados de força e vigor extraordinários, eram muito arrogantes. Por isso, prepararam um assalto aos deuses, o que Homero narra sobre Efialtes e Oto – que teriam tentado escalar o céu – se refere àqueles homens e a sua intenção de destronar os deuses.
Então, Zeus e os outros deuses perguntaram-se o que fazer, pois estavam em grande dificuldade: de fato, não podiam matar os homens, e aniquilar a espécie, fulminando-os como haviam feito com os Gigantes, porque isso significaria para eles a perda das honras e dos sacrifícios provenientes dos homens; mas tampouco podiam deixar passar tanta impudência.
“Creio”, disse Zeus depois de muito refletir, “ter encontrado um meio que nos permita, ao mesmo tempo, deixar sobreviver os homens e dar um basta a sua intemperança, tornando-os mais fracos. Agora, cortarei em dois cada um deles e, assim, além de mais fracos, eles se tornaram também mais uteis, pois dobrarão de numero. Além do mais, andarão sobre dois pés, em posição ereta. No entanto, se continuarem impudentes e não quiserem ficar tranquilos, cortarei-os mais uma vez em dois, de modo a fazer-los andar sobre uma perna só, aos pulinhos”, concluiu. Dito isso, cortou os homens em dois, como aqueles que cortam as sorvas para conservá-las ou aqueles que cortam os ovos com um fio...
Depois que a natureza do homem foi assim duplicada, cada metade, tendo saudade da sua outra metade, a buscava; abraçavam-se, ficando agarradas uma à outra e, pelo desejo de fundir-se em um único ser, morriam de fome ou de inércia, porque se recusavam a fazer qualquer uma sem a outra. Além disso, quando uma metade morria e a outra lhe sobrevivia, esta procurava uma outra metade e a ela se agarrava, seja quando encontrava uma metade de mulher de um ser inteiro mulher, seja quando encontrava uma metade de homem. E, deste modo, a espécie humana estava se extinguindo.
E assim Zeus, apiedando-se, imaginou um outro artificio e deslocou os genitais para a parte da frente ( de fato, até então, tinham-nos também na parte externa, mas não eram unindo-se entre si que procriavam e se reproduziam, mas com a terra, como as cigarras). Deslocou, como dizíamos, os genitais para a parte dianteira e, por meios desses, permitiu que a procriação fosse o resultado de uma relação, que se completava na fêmea pela ação do macho.
O proposito era que, se no abraço um homem deparasse com uma mulher, haveria concepção e continuação da raça humana.
Se, no entanto, um macho deparasse com outro macho, também alcançaria satisfação no amplexo e voltaria as suas atividades – vale dizer, a ocupar-se dos outros aspectos da vida. assim, desde esses tempos longícuos ganhou vida no homem o amor pelos seus semelhantes: é o amor que restaura a nossa primitiva natureza, aquele amor que quer fazer de dois seres somente um, que pretende curar a natureza humana.
Cada um de nós é, portanto, a parte complementar de um homem porque foi cortado, como se faz com os linguados, de um ser único, a fim de obter dois. Por conseguinte, cada qual está sempre em busca de seu complemento. Assim, todos os homens, que são parte cortada do gênero misto que então se chamava andrógino, desejam as mulheres, sendo desse gênero que derivam, na sua maioria, os adúlteros; igualmente, vêm desse mesmo gênero todas as mulheres que gostam de homens, as adulteras.
No entanto, as mulheres que resultam do corte praticado na mulher primitiva não tem qualquer interesse pelos homens, mas voltam-se principalmente para as mulheres, e é gênero que provem as tríbades.
Por fim, todos aqueles que resultam do corte praticado sobre o macho original desejam os machos e, desde meninos, como fragmento de macho primitivo, amam os homens, experimentam prazer em deitar-se ao seu lado e ficar entre seus braços: entre os meninos e os adolescentes, são os melhores em absoluto, porque são, por natureza, mais audazes.
É verdade que há quem sustente que são uns despudorados, mas isso é falso, pois não é por falta de pudor que assim se comportam, mas por serem corajosos, ousados e terem um temperamento viril ligam-se a quem lhes é semelhante. Isso pode ser provado de modo eficaz: ao amadurecer, somente os homens que têm essa natureza sabem tratar dos assuntos do Estado. E mais, depois de adultos, amam os meninos e, pela sua natureza, não pensam em casar-se nem gerar filhos, mas é a lei que os obriga a isso – por eles, ficariam felizes em passar a vida lado a lado, sem se casar. Portanto, um tal indivíduo é igualmente levado a amar os meninos e a enamorar-se dos amantes, ligando-se sempre ao que lhe é afim.
E assim, quando encontra a outra metade de que estamos falando, aquele que ama os meninos, mas podem ser também qualquer outro, sente-se a partir daquele momento misteriosamente tomado por um forte sentimento de afeto, de intimidade e de amor, e recusa-se, por assim dizer, a separar-se do outro, mesmo que por pouco tempo. E, no entanto, aqueles que passam a vida lado a lado, do inicio até o fim, são pessoas que não saberiam dizer o que esperam umas das outras. De fato, ninguém diria que é a recíproca satisfação sexual, ou seja, que essa é a razão do prazer que cada um deles experimenta em viver ao lado do outro com tanta intensidade e generosidade. É evidentemente outra coisa a que a alma de cada um aspira algo que não sabe dizer com palavras, um desejo do qual tem quase que uma intuição oracular e do qual fala por meio de enigmas.
Imaginem que estivessem deitados no mesmo leito e que diante deles aparecesse Efesto, com seus instrumentos na mão, perguntando: “Homens, o que desejais conseguir um do outro?”E se, diante da sua dificuldade em responder, continuasse: “Dizei, é disto que tendes vontades, de unir-vos uns ao outro o máximo possível, de modo a não vos soltardes mais, nem de dia, nem de noite? Se é isso o que quereis, não terei a menor dificuldade em vos fundir e em fazer de vós, em vez de dois, como sois, um todo único, partilhando da mesma existência por toda a vida, com se fostes uma só pessoa, e, depois da morte, lá embaixo, na morada de Hades, em vez de dois continuaríeis a ser um só, compartilhando até mesmo a morte. Vede bem se é isso que desejais apaixonadamente e se vos parece que experimentareis satisfação conseguindo que tal se cumpra”. Não haveria quem, temos toda certeza, ouvindo essa proposta, recusasse ou manifestasse desejo diferente. Eles pensariam, certamente, ter ouvido a manifestação do que desejavam havia muito tempo: unir-se ao amado, fundir-se com ele e, assim, de dois que eram tornar-se um só.
E eis a razão disso: a nossa natureza primitiva era aquela que eu disse, e nós éramos um todo único. Assim, é ao desejo e à busca dessa totalidade que se dá nome de amor. Em outras palavras, antes, como eu disse, éramos um ser único, mas agora, por causa do nosso comportamento arrogante, a nossa unidade foi partida pelo deus, do mesmo modo que os espartanos romperam com a unidade arcaica.
Há que se temer se não nos comportamos modestamente aos olhos dos deuses, de encontrarmo-nos, mais uma vez, cortado em dois, e que nos caiba andar por aí, como personagens representados de perfil em baixo-relevo sobre as estelas, serrados ao meio ao longo da linha do nariz, tornados semelhantes a astrágalos que se partem em dois.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Como a vida nasceu de um vórtice


O PROBLEMA:a hipótese atomista explica a estrutura dos corpos, mas podem explicar também a sua origem? Ou seja, a origem do átomo? Ou da matéria? Mas o que leva os átomos a se agregarem para formar compostos estáveis?

A TESE: para responder a essas perguntas, Demócrito formulou a teoria dos vórtices, que obteria um grande sucesso no meio cientifico: a agregação dos átomos em corpos sólidos e compactos deve-se a fenômenos puramente mecânicos, particularmente à força centrípeta agregadora desenvolvida pelo movimento em vórtice. Antes de tudo, Demócrito tinha interesse em trazer à luz a afirmação de que o nascimento da vida depende de processos automáticos (putrefação, fermentação), os quais não requerem a intervenção de qualquer inteligência divina.

Na primitiva comunhão de todas as coisas, o céu e a terra tinham um único aspecto, sendo misturada a sua matéria. Portanto, no caos inicial não tinha corpos diferenciados.
Em seguida, separando-se os corpos uns dos outros, o mundo foi assumindo todo esse ordenamento que nele se vê: o ar recebeu um movimento ininterrupto e a sua porção ígnea recolheu-se as regiões mais alta da atmosfera, pois essa matéria tendia para o auto devido a sua leveza. De fato, uma matéria transformada em gás leve, sobe provocando o movimento de vazio e preenchimento. Portanto, o diferente peso dos átomos produziu uma primeira separação.
Por essa razão, o Sol e a multidão de astros foram apanhados no vórtice geral; a parte lamacenta e turva, com mescla de elementos úmidos, depositou-se inteiramente em um lugar graças a seu peso e, girando e volvendo-se continuamente sobre si mesma, com o elemento liquido formou o mar. Com as partes mais solidas, formou a terra, lamacenta e mole. Portanto, os corpos celestes formaram-se em consequência de um movimento em vórtice.

E a terra, inicialmente sob o ardor do fogo solar, tornou consistente; em seguida, o calor provocou fermentações em sua superfície; em muitos lugares, as partes úmidas incharam, produzindo-se em torno delas putrefações envoltas em sutis membranas. Isso pode ser observado ainda hoje nos charcos e pântanos: depois que essas regiões se resfriam, o ar torna-se imediatamente escaldante, em vez de aquecer-se gradualmente. Portanto, o nascimento da vida explica-se com processos de putrefação e fermentação.
E posto que aquelas partes úmidas produzissem embriões (pela elevação do calor) do modo que foi dito, esses embriões recebiam alimento da neblina que descia da atmosfera a noite e se consolidavam com o calor do Sol durante o dia; enfim, à medida que esses fetos tão fechados completavam seu crescimento e as membranas dissecadas se dilaceravam, vinham à luz as variadíssimas espécies animais. Portanto, a ação do calor e do frio explica a evolução dos processos vitais.
Dentre esses, aqueles que possuíam mais calor se alçaram nas regiões do ar, tornando-se voláteis; aqueles que tinham uma constituição terrosa foram incluídos na ordem dos repteis e de outros animais terrestres; aqueles que alcançaram características particularmente úmidas voltaram-se para o elemento próprio de sua natureza e foram denominados aquáticos. A terra, que se tornara Cada vez mais dura pela ação do calor solar e do vento, não teve mais condições de produzir nenhum dos animais maiores, mas cada espécie dos que estão vivos começou a propagar pela mútua união dos próprios seres. Portanto, a união entre os animais depende da estrutura atômica.