sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Não busquemos mais as causas, mas as conseqüências de como estabelecemos nossas crenças.


O PROBLEMA: por meio de que processos formamos as nossas crenças?

A TESE: vamos examinar três estratégias mentais: a primeira é o método da tenacidade, típico daquele que obstinadamente se recusa a discutir as próprias crenças; a segunda é o método da autoridade, esta é o acordo social que proíbe as opiniões que são diferentes da norma; e, por fim, a terceira que é o método metafísico (ou a priori), que se fundamenta na razão, mas que produz sistemas teóricos incontroláveis. Essas três categorias têm em comum a não admissão da possibilidade de erro, ou seja, consideram-se infalíveis. Por isso deve ser defendido o método científico, o único que, submetendo os próprios resultados a uma continua verificação, renuncia a infalibilidade e progride se autocorrigindo. Porem, para explicar esse método, é necessário deslocar a atenção para as consequências de uma teoria, os resultados concretos que ela conduz. Esse é o pragmatismo. Para entender o pragmatismo é preciso observar a passagem e não o início. Com efeito, esse não é mais do que a aplicação do método cientifico aos problemas filosóficos: a verdade de qualquer afirmação consiste nas consequências a que dá lugar e por estas deve ser julgada.

A SÍNTESE:
COMO A AVESTRUZ ESCONDE A CABEÇA PARA NÃO VER, O HOMEM TAMBEM PROCURA EVITAR TODA EVIDENCIA CONTRARIAS AS SUAS CRENÇAS.
Quando uma avestruz esconde a cabeça na areia à aproximação de um perigo, provavelmente está escolhendo o caminho mais feliz. Esconde o perigo de si mesmo e diz com calma que não há perigo; e sentindo-se seguro de que o perigo não existe, por que deveria levantar a cabeça para vê-lo? Um homem pode proceder na vida afastando a sua visão de tudo o que pode provocar mudanças nas suas opiniões, e se conseguir... Eu não vejo o que se possa dizer contra o seu modo de agir.

A REALIDADE PSICOLOGICA DO HOMEM NÃO SE REDUZ À PURA RACIONALIDADE.

Seria impertinência egoística objetar-lhe que o seu procedimento é irracional, já que corresponderia simplesmente a dizer que o seu método de estabelecer as crenças não é o nosso. Ele não se propõe a ser racional, e, com efeito, frequentemente falará com desprezo da fraca e enganosa razão humana. Portanto, deixai-o pensar como lhe agrada.

UM CONFRONTO CONTINUO COM OUTRAS INTELIGENCIAS DETERMINA UMA DIMENSÃO SOCIAL DAS CRENÇAS PESSOAIS.

Mas esse método de estabelecer crenças, que pode ser chamado de método da tenacidade, é incapaz de manter as suas posições na pratica. O impulso social está contra ele. O homem que o adota achará que outros homenspensamdiferentemente dele, e em algum momento de lucidez lhe poderá vir à mente que as opiniões deles são tão boas quanto a sua, o que abalará sua confiança na própria crença.

O IMPULSO PARA O CONFRONTO E A SOCIALIZAÇÃO DAS CRENÇAS É CONGENITO NO SER HUMANO.

A concepção de que o pensamento ou o sentimento de outro homem possa ser equivalente ao seu próprio é um passo novo, distinto e muito importante. Ele nasce de um impulso muito forte no homem para ser suprimido sem o perigo de destruir a espécie humana. A menos que nos tornemos eremitas, devemos necessariamente influenciar as nossa opiniões reciprocas, de modo que o problema passa a ser como estabelecer crenças, não somente no individuo, mas na comunidade.

O ESTADO PODERIA SUBSTITUIR O INDIVIDUO.

Suponhamos então que o estado substitua a do individuo. Suponhamos que seja criada uma instituição que tenha o objetivo de impor ao povo doutrinas corretas, de repeti-las perpetuamente e de ensiná-las à juventude, e que tal instituição tenha ao mesmo tempo força para impedir que as doutrinas contrarias sejam ensinadas, defendidas e expressas.

EXISTEM NO MUNDO MODERNO FORMAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA DE MASSA.

Suponhamos que todas as causas possíveis de mudanças de opinião sejam afastadas do aprendizado dos homens. Suponhamos que eles sejam mantidos ignorantes por medo de aprender razões para pensar de modo diverso do que pensam. Suponhamos que as suas paixões sejam disciplinadas a fim de que eles considerem com ódio e horror as opiniões particulares e desusadas. E suponhamos ainda que sejam reduzidos ao silencio pelo terror os homens que rejeitam a crença estabelecida...

O PROJETO AUTORITARIO FOI EXPERIMENTADO NA HISTORIA, COM RESULTADOS ÀS VEZES GRANDIOSOS.

Ao julgar esse método de estabelecer a crença, que pode ser chamado de método da autoridade, devemos, em primeiro lugar, admitir a sua incomensurável superioridade mental e moral em relação ao método da tenacidade. O seu sucesso é proporcionalmente maior, e de fato ele sempre obteve os mais imponentes resultados, basta ver as grandes construções de pedras e concretos na Tailândia, no Egito e na Europa com elas tem uma grandeza que pode rivalizar com as obras da natureza...

MAS UMA ESTRATEGIA AUTORITARIA É SEMPRE IMPERFEITA E SÓ PODE SUBSISTIR EM SOCIEDADES SIMPLES.

Mas nenhuma instituição pode assumir a tarefa de regular as opiniões em todas as matérias. Somente as mais importantes devem ser vigiadas; quanto ao resto, o espirito dos homensdeve ser abandonado à ação das causas naturais. Essa imperfeição não será causa de fraqueza enquanto os homens estiverem em um estado de cultura em que uma opinião não influi sobre outra, ou seja, enquanto eles não forem capazes de juntar dois mais dois.

DÚVIDA, INVESTIGAÇÃO E LIVRE PENSAMENTO SÃO INEXTIRPÁVEIS.

Mas mesmo nos Estados mais infestados de padres existem indivíduos que se elevam acima dessa condição. Esses homens possuem um sentimento social mais amplo; eles Veem que os homens de outros países e de outras épocas admitiram doutrinas diferentes daquelas nas quais eles foram criados; e não podem deixar de ver que é um simples acaso que o seu ensinamento tenha sido o que tiveram, ou que eles estavam cercados pelos costumes e associações que têm e que fazem com que eles acreditem naquilo que acreditam.

A EXISTENCIA OBJETIVA DE CULTURAS DIVERSAS SUGERE A DÚVIDA CRÍTICA.

A sua candura não pode resistir à reflexão de que não há razão para atribuir aos próprios pontos de vista um valor mais alto do que o das outras nações ou de outros séculos; e isso faz surgir dúvida em seu espírito. Além do mais, eles perceberão que dúvidas semelhantes devem existir em seu espírito em relação a toda crença que pareça determinada por um capricho deles próprios ou daqueles que dão origem às opiniões populares.

UMA ESTRATÉGIA CORRETA DEVE CONCILIAR PAIXÃO SOCIAL E LIBERDADE INDIVIDUAL.

A adesão voluntária a uma crença e a sua imposição arbitraria aos outros são, portanto, coisas que devem abandonadas, enquanto um novo método para estabelecer opiniões deve ser adotado, um método que não só produza um impulso a acreditar, mas que decida também em qual posição acreditar.

O DEBATE METAFÍSICO E ARTÍSTICO É EXEMPLO QUE PODEM SER SEGUIDOS.

Quando a ação das preferencias naturais não está impedida e quando, sob influência delas, os homens conversam entre si e consideram cada argumento sob diferentes luzes, as crenças gradualmente desenvolvem-se em harmonia com as causa naturais. Esse método se assemelha àquele pelo qual as concepções de arte chegaram a maturidade. O exemplo mais perfeito pode ser encontrado na historia da filosofia metafísica.

ARTE E METAFÍSICA IMPLICAM UMA REFERENCIA ÀS CONVICÇÕES PESSOAIS, NÃO À REALIDADE ENQUANTO TAL.

Sistema desse tipo não se apoia habitualmente sobre fatos observados, pelo menos não em grau considerável. Ou, antes, foram adotados principalmente porque as suas proposições fundamentais pareciam conforme a razão. Esta é a expressão apropriada; ela não indica o que está em concordância com a experiência, mas aquilo em que estamos inclinados a acreditar...

O LIMITE DE TAL MÉTODO, PORÉM, É A PERENE OPINIBILIDADE.

Esse método é bem mais intelectual e respeitável, do ponto de vista da razão, do que daqueles que aqui consideramos. Mas a sua falência foi mais manifesta. Ele faz da investigação algo semelhante ao desenvolvimento do gosto; mas o gosto, infelizmente, sempre é mais ou menos questão de moda e, consequentemente, os metafísicos nunca chegaram a um acordo duradouro, mas o pêndulo oscilou para frente e para trás entre uma filosofia mais materialista e uma filosofia mais espiritualista, dos tempos mais remotos até os mais recentes...

O OBEJTIVO É CHEGAR A UM MÉTODO CAPAZ DE PRODUZIR UM CONHECIEMNTO PRECISO.

Portanto, para satisfazer as nossas dúvidas, é necessário que seja encontrado um método em virtude do qual nossas crenças possam ser causadas não por fatores humanos, mas por uma uniformidade externa, por algo no qual nosso pensamento não tenha efeito.

O MITICISMO SOLUCIONOU A NECESSIDADE DE CERTEZA COM A REVELAÇÃO.

Alguns místicos imaginam possuir tal método sob a forma de uma inspiração vinda do alto. Mas essa é somente uma forma do método da tenacidade no qual a concepção de verdade como algo público ainda não se desenvolveu.

O OBJETIVO É ENCONTRAR PROPOSIÇÕES INOPINÁVEIS, OU SEJA, UNIVERSAIS, VÁLIDA PARA TODOS OS HOMENS.

A uniformidade externa não seria externa, no sentido que lhe damos, se a sua influencia fosse limitada a um único indivíduo. Deve ser algo que atue, ou pode atuar, sobre qualquer homem. E embora essas ações sejam necessariamente tão diversas como as diversas as concepções individuais, o método, todavia, deve ser tal que a conclusão última de cada homem seja a mesma.

O MÉTODO CIENTÍFICO ABDICA DE DEFINIR A REALIDADE, MAS SELECIONA AS OPINIÕES SEGUNDO CRITERIOS OBJETIVOS.

Tal é o método da ciência. A sua hipótese fundamental, expressa em linguagem familiar, é a seguinte: existem coisas reais cujas características são completamente independentes das opiniões que nós formamos a seu respeito; cuja realidade influi nos nossos sentidos segundo leis regulares; e no que se refere a nossa relação com os objetos, utilizando as leis da percepção, nós podemos verificar com raciocínio como as coisas realmente são, e todo homem, se tiver experiência suficiente e raciocinar o bastante a respeito, será levado a uma única conclusão verdadeira.