quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Nietzsche: educação do super-homem


Não é por nada que Nietzsche é um dos autores mais lidos no mundo. Ele não tem medo de não somente analisar friamente instituições e religiões, mas as ataca diretamente, sem pelos na língua, não importando que sejam instituições publicas e privadas, políticas ou religiosas, até mesmo indivíduo ou associações, escritores ou jornalistas, tudo para ele é terreno fértil para desenvolver e mostrar seu pensamento vulcânico, irreverente, impulsivo, mas ao mesmo tempo frio, lógico e perspicazmente correto. Não como não se curvar às conclusões a que chega em suas análises do pensamento filosófico tradicional, da historia do homem e da humanidade em geral, das evoluções e involuções políticas e religiosas. Nietzsche é contundente, mas ao mesmo tempo sagazmente ponderado. Responder a ele, condenar suas ideias? Pode-se. Mas não é tarefa fácil.
Neste livro, Nietzsche passa pelo crivo de seu cérebro algumas conquistas da sociedade de sua época –que assim eram consideradas pelo mundo político e filosófico – e condenas algumas como ilusórias, ataca outras como ridículas e aceitas poucas como fruto do pensamento de espíritos e mentes superiores. Mas no mundo politico, as despreza e condena praticamente todas, porquanto conquistas reveladoras de desumanidade, de domínio improprio de pseudo-vontade superior, de uma moral opressora e cristãmente insossa, insulsa, inconsequente, insalubre, quando não pérfida.
Esses mitos criados para o homem e não pelo homem, fomentados por forças políticas e religiosas sem escrúpulos, esses ídolos estão em seu crepúsculo: serão rejeitados, eliminados, degradados e banidos da vida do homem. Não lhe pertencem. Foram jungidos a ele. foram lhe enxertados por uma tradição de fundo orgiástico grego, por uma fé de fundo cristão, por uma política de fundo escuso e opressor.
O verdadeiro valor reside no instinto, na realização do instinto, em sua expressão espontânea e livre. É ele que cria e recria, que impele e faz, que idealiza e transforma, que induz e resolve, que realiza e plenifica o homem enquanto homem indivíduo, o homem enquanto grupo social, o homem enquanto projeção política, o homem enquanto ser livre vivendo no presente, projetando o futuro e renegando o passado à medida que não lhe serve para construir sua própria felicidade. O mundo de Nietzsche é um mundo ideal e livre, um mundo apresentado e oferecido ao homem. Compete ao homem, sem qualquer interferência, fazer dele o que bem entender.
Nietzsche era dotado de um espirito irrequieto, perquiridor, próprio de um grande pensador. De índole romântica, poeta por natureza, levado pela imaginação, Nietzsche era o tipo de homem que vivia recurvado sobre si mesmo. Emotivo e fascinado por tudo que resplandece vida, era ao mesmo tempo sedento por liberdade espiritual e intelectual; levado pelo instinto ao mundo irreal, ao mesmo tempo era apegado ao mundo concreto e real; religoso por natureza e formação, era ao mesmo tempo um demolidor de religiões; entusiasta defensor da beleza da vida, era também critico feroz de toda fraqueza humana; conhecedor de si mesmo, era seu próprio algoz; seu espirito era campo aberto em que se irromperem as mais variadas tendências, sob a influência de sua agitada consciência.

NIETZSCHE

Friedrich Nietzsche é um dos maiores pensadores que mais influenciam a cultura contemporânea. Contundente e polemico, foi um dos principais crítico do racionalismo.

   Nietzsche é um profundo conhecedor da literatura romântica alemã de sua época, mas ao mesmo tempo, de toda a cultura e filosofia ocidentais, particularmente, da mítica da Grécia Clássica. Encontra na tragédia grega a maior inspiração do seu pensamento a respeito do espírito humano tal como ele deveria ter se desenvolvido se não fosse o comprometimento ocorrido justamente com o racionalismo que vai guiar, vai dominar o pensamento grego e, na sequencia, todo o pensamento ocidental.
 Sócrates, Platão e Aristóteles rompem com a visão mítica da realidade. É a origem do racionalismo, que tem como ponto culminante o Iluminismo do século XVIII. Alguns de seus principais representantes foram Kant e Descartes. Para eles, as ações humanas devem ser orientadas pelo uso da razão.

APOLO E DIONÍSIO

   Este posicionamento de Nietzsche com relação à tradição filosófica ocidental, sem dúvida alguma, representa um contraponto, uma ruptura com relação a essa tradição que se tornou extremamente racionalista. Ele achava que era justamente na tragédia grega que se encontravam as raízes da verdadeira condição do espírito humano. Para isso, fez uma contraposição entre o espírito dionisíaco e o espírito apolíneo.
 Apolo traz o espírito da racionalidade, da lógica, em oposição ao espírito de Dionísio que representa as forças vitais do espírito humano.
De acordo com Nietzsche, o espírito dionisíaco é o espírito da sensibilidade humana, dquelas forças mais profundas do nosso espírito, do nosso ser que nos movem, que alimentam a nossa existência como força de potencia, como vontade. Enquanto o espírito apolíneo é o espírito da racionalidade, o espírito do pensamento lógico que, segundo Nietzsche, é um pensamento muito matematizante, é um pensamento pouco impregnado pelas forças vitais.  O que caracteriza exatamente a cultura ocidental foi ter baseado, ter feito esta opção por este espírito apolíneo, como se o principal da existência humana, a dimensão principal da existência humana fosse a dimensão do conhecimento lógico, do uso da racionalidade. É isso que Nietzsche como grande equivoco da cultura ocidental e que comprometeu tanto a moral, a ciência, a filosofia, a arte, enfim, a própria maneira de do existir humano nesta cultura ocidental. É exatamente contra esta orientação que ele propõe, que ele traz, que ele faz a sua proposta de uma verdadeira revolução cultural, uma retomada dos rumos da existência humana.

FILOSOFIA A MARTELADAS

Nietzsche luta contra todas as orientações do racionalismo surgido na Grécia a partir de Sócrates. Questiona as propostas do cristianismo que, segundo ele, enfatiza o lado fraco e subserviente do espírito humano. Nietzsche critica as orientações iluministas, como a valorização doconhecimento científico, bem como os filósofos que defedem essas propostas, tais como Kant, Descartes e Hegel. Nietzsche também se opõe ao socialismo por acreditar que, ao defender uma igualdade entre os homens, o socialismo desqualifica a verdadeira grandeza do espírito humano. Por tantas e tão contundentes críticas, filosofia de Nietzsche é conhecida como uma filosofia a marteladas.
Ele está tentando destruir todos os ícones, todos os pressupostos e, particularmente, todos os valores que a nossa cultura, com seu embasamento filosófico-racionalista, acabou consagrando.

SUPER-HOMEM

Nietzsche acredita que o homem não deve seguir os valores consagrados pela cultura ocidental, marcados pela moral cristã e pela política liberal e iluminista. Sua proposta é que reencontremos os valores a partir de nossa condição de seres vivos, dotados de uma potencia instintiva, que apela para uma maior grandeza, para um posicionamento moral aristocrático. Para Nietzsche, o homem é um ser voluntarioso, poderoso, que quer e deve defender sua condição de criador da historia, de condutor de sua própria existência. Sua proposta é do surgimento de um homem superior, capaz de fruir o prazer e sentir a felicidade.
Nesse sentido, Nietzsche se posiciona contra a democracia liberal, se posiciona contra o socialismo, contra o comunismo, por entender que todas as suas propostas, todas essas ideologias acabam escravizando o homem, de uma maneira ou de outra, o homem, do mesmo modo que os valores morais do cristianismo conduziram o homem a uma situação muito análoga à situação do escravo. É bom entender, no entanto, que ao contrário do que fazem algumas interpretações apressadas, de maneira nenhuma Nietzsche estava justificando com isso posições como aquelas que se consolidaram em sistemas políticos tipo nazismo, fascismo. Para Nietzsche, esses sistemas também apareciam como dominadores dos indivíduos, escravizadores da vontade livre desses indivíduos. Se é que podemos falar de uma proposta política, a dele seria de uma sociedade organizada de forma aristocrática, em que toadas as pessoas pudessem exercer livremente sua vontade de potencia, ou seja, seguir os seus instintos mais naturais, mais profundos, seguir suas pulsões, não se deixando em circunstancia alguma se condicionar por determinações alheias a sua própria vontade.
O homem deve ser um espírito livre, não deve se deixar conduzir como uma ovelha em um rebanho. Um indivíduo que exerce plenamente sua vontade de potência torna-se, para Nietzsche, um super-homem, um indivíduo superior que não se deixa dominar por nenhuma força externa à sua vontade. Para ele, promover esse homem superior deve ser o papel da educação.
A educação tende a padronizar ao invés de deixar que os indivíduos se destaquem. Então, a implicância de Nietzsche com a democracia, com a pedagogia e com a própria ciência é esse espirito de padronização, com se todos os indivíduos devessem ter o mesmo desempenho, porque todos teriam igualmente a mesma base. E ele não acha isso. Então, nós precisaríamos de uma política e de uma pedagogia que exatamente fizesse o contrário, ao invés de padronizar, de fazer com que aqueles indivíduos mais dotados, mais talentosos, pudessem se destacar.
Contra a padronização dos indivíduos, Nietzsche propunha uma formação diferenciada. Uma formação com expansão, como desdobramento, nunca como ajuste ou adequação.
Ao falar de educação de seu tempo, Nietzsche se refere a três tipos de egoísmos a que ela tem conduzido. Primeiramente, o egoísmo que ele chama dos comerciantes, que é este egoísmo que preside todo o nosso relacionamento comercial, onde se visa simplesmente o lucro, o ganho, a usura, bem no espírito do capitalismo que está se consolidando naquela época. Em segundo lugar, há o egoísmo do estado, que é este egoísmo do espírito público que tende a introduzir na vida social uma igualdade de fracos, uma igualdade de pessoas menores totalmente dominadas pelas determinações dos partidos, dos governos, enfim, da burocracia. A terceira forma de egoísmo é o egoísmo da ciência na medida em que ela se considera como sinônimo do único conhecimento válido, vendo a cultura apenas como resultado do progresso cientifico, desconhecendo os principais valores da existência humana, que são aqueles valores ligados, exatamente, à vontade de potencia do homem, todo este poder dinâmico que a humanidade tra e que foi sufocado pela tradição cultural racionalista do Ocidente.

CULTIVO DA AUTONOMIA

Assim como Nietzsche, o Iluminismo propunha o cultivo da autonomia. Mas eram visões muito diferentes. Para os Iluministas como Kant, a autonomia se caracterizava exclusivamente pelo aprimoramento da razão. Todas as demais forças presente no homem eram considerdas contrarias a essa autonomia, a essa emancipação.
É esta grande pedagogia do Iluminismo que prometia liberdade, a emancipação humana, graças a incorporação das luzes da razão. As luzes da razão iluminaria as trevas da ignorância e, portanto, nos possibilitava conhecer todos os mistérios do mundo, que não são mais mistérios, são puramente fenômenos. O mundo está desencantado e, corolário disso, haveria igualmente liberdade, a consolidação da liberdade. Os homens poderiam se organizar democraticamente em uma sociedade esclarecida, livre e igualitária, e que todos seriam felizes, mas exatamente esta promessa do projeto iluminista da modernidade não se realizou.
Nietzsche acreditava que a autonomia não se constituía apenas pela razão, ao contrario, a verdadeira emancipação deriva do crescimento da liberdade, da vontade de potencia. Para Nietzsche, da vontade de potencia fazem parte todos os nossos dinamismos emocionais, afetivos e instintivos. Muitas dessas orientações fazem parte do pensamento contemporâneo que descobre novas inteligências e valoriza diferentes formas de sensibilidades.

EDUCAÇÃO E EDUCADOR

Na visão do Nietzsche, o que se espera da educação, o que se esperaria da educação é ela não reforçasse esses elementos da tradição iluministas, mas que, ao contrário, pudesse ser um ambiente, um clima para o despertar dessas energias que estão presentes, mas, muitas vezes, sufocadas em cada indivíduo. O modo de educação da vida social na cultura contemporânea acaba sufocando muito estas pulsões que são reprimidas pelo sistema cultural, pelo sistema religioso. Então, Nietzsche propõe que se quebre a marteladas todos esses ídolos, todos esses ícones e todas essas repressões para que, então, a nossa potencia possa se exprimir. Certamente, ele chega a discutir esta questão de como preparar o educador, fortemente inspirado pelo Schopenhauer, que exerceu um grande papel na formação filosófica do Nietzsche. Não se trata do caso do professor, nem de um preparo técnico científico na linha da tradição iluminista, e nem mesmo ver a escola como uma estrutura burocrática ou administrativa, gerencial. O que está em pauta é muito mais a personalidade do educador. Certamente o professor para Nietzsche é um mestre, este mestre e o modelo da escola dele seriam muito mais a de um ambiente, de uma educação muito mais convival do que propriamente neste esquema que acabou consolidando no Ocidente, que é uma escola formal, uma escola burocratizada, gerenciada, mais um ambiente de administração da vida do que de fecundação da vida.

DIVERSIDADE E CRIATIVIDADE

Nietzsche é a lembrança da dimensão dionisíaca perdida durante o predomínio do pensamento racional no Ocidente.
E é o que talvez todas essas referências à inteligência emocional, ao reconhecimento das diversas formas de sensibilidade humana, a valorização da estética, isto, sem dúvida alguma, é um legado da inspiração nietzschiana para o pensamento contemporâneo. Seria característico desse espirito superior, dessa vontade de potencia, ser extremamente criativo, comose as coisas surgissem, esta força brotasse aos borbotões e levasse o indivíduo humano a ser muito mais um artista do que um cientista ou um técnico. Porque ele está vivendo a expansão dos seus sentimentos vitais. É a força da vida que empurra para cima e que torna o homem extremamente criativo, descobridor das coisas. Isso vai acontecer com o verdadeiro artista, que não cria a partir de critérios racionais, mas justamente pela sensibilidade, pela capacidade de se deixar explodir, de se deixar expressar a partir da pulsão de suas próprias forças. Esta filosofia de Nietzsche, em que pese as suas limitações pessoais e todas as dificuldades existenciais que ele mesmo enfrentou no convívio com a sociedade de sua época, sem dúvida alguma, representou uma importante manifestação de protesto e um grito de defesa de liberdade humana. Embora ele tenha carregado muito nas tintas, sem dúvida alguma, esta é uma proposta que valoriza a autonomia do ser humano e, consequentemente, o respeito pela dignidade humana.
Embora incompreendido em sua época, hoje Nietzsche é a principal inspiração do pensamento filosófico pós-moderno.
A filosofia de Nietzsche foi um apelo coletivo, que serve a todo indivíduo, mas foi também um desabafo pessoal, um grito de protesto contra as duras injunções que ele próprio enfrentou em sua vida profissional, amorosa, como cidadão.
A vida do indivíduo Nietzsche, não é uma demonstração da sua teoria, mas por limitações, ele tinha uma clareza de espírito muito grande desse modelo de homem que ele visava, mas ele não conseguiu implementar isso pessoalmente. O que ele conseguiu de fato realizar foi uma personalidade rebelde, ele foi corajoso para enfrentar todo o poderio de Igreja, o poderio do poder publico, mas não tinha como individualmente fazer tudo isso.


BIBLIOGRAFIA: