Não é por
nada que Nietzsche é um dos autores mais lidos no mundo. Ele não tem medo de
não somente analisar friamente instituições e religiões, mas as ataca
diretamente, sem pelos na língua, não importando que sejam instituições
publicas e privadas, políticas ou religiosas, até mesmo indivíduo ou
associações, escritores ou jornalistas, tudo para ele é terreno fértil para
desenvolver e mostrar seu pensamento vulcânico, irreverente, impulsivo, mas ao
mesmo tempo frio, lógico e perspicazmente correto. Não como não se curvar às
conclusões a que chega em suas análises do pensamento filosófico tradicional,
da historia do homem e da humanidade em geral, das evoluções e involuções
políticas e religiosas. Nietzsche é contundente, mas ao mesmo tempo sagazmente
ponderado. Responder a ele, condenar suas ideias? Pode-se. Mas não é tarefa
fácil.
Neste livro, Nietzsche passa pelo
crivo de seu cérebro algumas conquistas da sociedade de sua época –que assim
eram consideradas pelo mundo político e filosófico – e condenas algumas como
ilusórias, ataca outras como ridículas e aceitas poucas como fruto do
pensamento de espíritos e mentes superiores. Mas no mundo politico, as despreza
e condena praticamente todas, porquanto conquistas reveladoras de desumanidade,
de domínio improprio de pseudo-vontade superior, de uma moral opressora e
cristãmente insossa, insulsa, inconsequente, insalubre, quando não pérfida.
Esses mitos criados para o homem
e não pelo homem, fomentados por forças políticas e religiosas sem escrúpulos,
esses ídolos estão em seu crepúsculo: serão rejeitados, eliminados, degradados
e banidos da vida do homem. Não lhe pertencem. Foram jungidos a ele. foram lhe
enxertados por uma tradição de fundo orgiástico grego, por uma fé de fundo
cristão, por uma política de fundo escuso e opressor.
O verdadeiro valor reside no
instinto, na realização do instinto, em sua expressão espontânea e livre. É ele
que cria e recria, que impele e faz, que idealiza e transforma, que induz e
resolve, que realiza e plenifica o homem enquanto homem indivíduo, o homem
enquanto grupo social, o homem enquanto projeção política, o homem enquanto ser
livre vivendo no presente, projetando o futuro e renegando o passado à medida
que não lhe serve para construir sua própria felicidade. O mundo de Nietzsche é
um mundo ideal e livre, um mundo apresentado e oferecido ao homem. Compete ao
homem, sem qualquer interferência, fazer dele o que bem entender.
Nietzsche era dotado de um
espirito irrequieto, perquiridor, próprio de um grande pensador. De índole
romântica, poeta por natureza, levado pela imaginação, Nietzsche era o tipo de
homem que vivia recurvado sobre si mesmo. Emotivo e fascinado por tudo que
resplandece vida, era ao mesmo tempo sedento por liberdade espiritual e
intelectual; levado pelo instinto ao mundo irreal, ao mesmo tempo era apegado
ao mundo concreto e real; religoso por natureza e formação, era ao mesmo tempo
um demolidor de religiões; entusiasta defensor da beleza da vida, era também
critico feroz de toda fraqueza humana; conhecedor de si mesmo, era seu próprio
algoz; seu espirito era campo aberto em que se irromperem as mais variadas
tendências, sob a influência de sua agitada consciência.
NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche é um dos
maiores pensadores que mais influenciam a cultura contemporânea. Contundente e
polemico, foi um dos principais crítico do racionalismo.
Nietzsche é um profundo conhecedor da literatura romântica alemã de sua
época, mas ao mesmo tempo, de toda a cultura e filosofia ocidentais,
particularmente, da mítica da Grécia Clássica. Encontra na tragédia grega a
maior inspiração do seu pensamento a respeito do espírito humano tal como ele
deveria ter se desenvolvido se não fosse o comprometimento ocorrido justamente
com o racionalismo que vai guiar, vai dominar o pensamento grego e, na
sequencia, todo o pensamento ocidental.
Sócrates, Platão e Aristóteles rompem com a
visão mítica da realidade. É a origem do racionalismo, que tem como ponto
culminante o Iluminismo do século XVIII. Alguns de seus principais
representantes foram Kant e Descartes. Para eles, as ações humanas devem ser
orientadas pelo uso da razão.
APOLO E DIONÍSIO
Este posicionamento de Nietzsche com relação à tradição filosófica
ocidental, sem dúvida alguma, representa um contraponto, uma ruptura com
relação a essa tradição que se tornou extremamente racionalista. Ele achava que
era justamente na tragédia grega que se encontravam as raízes da verdadeira
condição do espírito humano. Para isso, fez uma contraposição entre o espírito
dionisíaco e o espírito apolíneo.
Apolo traz o espírito da racionalidade, da
lógica, em oposição ao espírito de Dionísio que representa as forças vitais do
espírito humano.
De acordo com Nietzsche, o
espírito dionisíaco é o espírito da sensibilidade humana, dquelas forças mais
profundas do nosso espírito, do nosso ser que nos movem, que alimentam a nossa
existência como força de potencia, como vontade. Enquanto o espírito apolíneo é
o espírito da racionalidade, o espírito do pensamento lógico que, segundo
Nietzsche, é um pensamento muito matematizante, é um pensamento pouco
impregnado pelas forças vitais. O que
caracteriza exatamente a cultura ocidental foi ter baseado, ter feito esta
opção por este espírito apolíneo, como se o principal da existência humana, a
dimensão principal da existência humana fosse a dimensão do conhecimento
lógico, do uso da racionalidade. É isso que Nietzsche como grande equivoco da
cultura ocidental e que comprometeu tanto a moral, a ciência, a filosofia, a
arte, enfim, a própria maneira de do existir humano nesta cultura ocidental. É
exatamente contra esta orientação que ele propõe, que ele traz, que ele faz a
sua proposta de uma verdadeira revolução cultural, uma retomada dos rumos da
existência humana.
FILOSOFIA A MARTELADAS
Nietzsche luta contra todas as
orientações do racionalismo surgido na Grécia a partir de Sócrates. Questiona
as propostas do cristianismo que, segundo ele, enfatiza o lado fraco e
subserviente do espírito humano. Nietzsche critica as orientações iluministas,
como a valorização doconhecimento científico, bem como os filósofos que defedem
essas propostas, tais como Kant, Descartes e Hegel. Nietzsche também se opõe ao
socialismo por acreditar que, ao defender uma igualdade entre os homens, o
socialismo desqualifica a verdadeira grandeza do espírito humano. Por tantas e
tão contundentes críticas, filosofia de Nietzsche é conhecida como uma
filosofia a marteladas.
Ele está tentando destruir todos
os ícones, todos os pressupostos e, particularmente, todos os valores que a
nossa cultura, com seu embasamento filosófico-racionalista, acabou consagrando.
SUPER-HOMEM
Nietzsche acredita que o homem
não deve seguir os valores consagrados pela cultura ocidental, marcados pela
moral cristã e pela política liberal e iluminista. Sua proposta é que
reencontremos os valores a partir de nossa condição de seres vivos, dotados de
uma potencia instintiva, que apela para uma maior grandeza, para um
posicionamento moral aristocrático. Para Nietzsche, o homem é um ser
voluntarioso, poderoso, que quer e deve defender sua condição de criador da
historia, de condutor de sua própria existência. Sua proposta é do surgimento
de um homem superior, capaz de fruir o prazer e sentir a felicidade.
Nesse sentido, Nietzsche se
posiciona contra a democracia liberal, se posiciona contra o socialismo, contra
o comunismo, por entender que todas as suas propostas, todas essas ideologias
acabam escravizando o homem, de uma maneira ou de outra, o homem, do mesmo modo
que os valores morais do cristianismo conduziram o homem a uma situação muito
análoga à situação do escravo. É bom entender, no entanto, que ao contrário do
que fazem algumas interpretações apressadas, de maneira nenhuma Nietzsche
estava justificando com isso posições como aquelas que se consolidaram em
sistemas políticos tipo nazismo, fascismo. Para Nietzsche, esses sistemas também
apareciam como dominadores dos indivíduos, escravizadores da vontade livre
desses indivíduos. Se é que podemos falar de uma proposta política, a dele
seria de uma sociedade organizada de forma aristocrática, em que toadas as
pessoas pudessem exercer livremente sua vontade de potencia, ou seja, seguir os
seus instintos mais naturais, mais profundos, seguir suas pulsões, não se
deixando em circunstancia alguma se condicionar por determinações alheias a sua
própria vontade.
O homem deve ser um espírito
livre, não deve se deixar conduzir como uma ovelha em um rebanho. Um indivíduo
que exerce plenamente sua vontade de potência torna-se, para Nietzsche, um
super-homem, um indivíduo superior que não se deixa dominar por nenhuma força
externa à sua vontade. Para ele, promover esse homem superior deve ser o papel
da educação.
A educação tende a padronizar ao invés
de deixar que os indivíduos se destaquem. Então, a implicância de Nietzsche com
a democracia, com a pedagogia e com a própria ciência é esse espirito de
padronização, com se todos os indivíduos devessem ter o mesmo desempenho, porque
todos teriam igualmente a mesma base. E ele não acha isso. Então, nós
precisaríamos de uma política e de uma pedagogia que exatamente fizesse o
contrário, ao invés de padronizar, de fazer com que aqueles indivíduos mais
dotados, mais talentosos, pudessem se destacar.
Contra a padronização dos
indivíduos, Nietzsche propunha uma formação diferenciada. Uma formação com
expansão, como desdobramento, nunca como ajuste ou adequação.
Ao falar de educação de seu
tempo, Nietzsche se refere a três tipos de egoísmos a que ela tem conduzido.
Primeiramente, o egoísmo que ele chama dos comerciantes, que é este egoísmo que
preside todo o nosso relacionamento comercial, onde se visa simplesmente o
lucro, o ganho, a usura, bem no espírito do capitalismo que está se consolidando
naquela época. Em segundo lugar, há o egoísmo do estado, que é este egoísmo do
espírito público que tende a introduzir na vida social uma igualdade de fracos,
uma igualdade de pessoas menores totalmente dominadas pelas determinações dos
partidos, dos governos, enfim, da burocracia. A terceira forma de egoísmo é o
egoísmo da ciência na medida em que ela se considera como sinônimo do único
conhecimento válido, vendo a cultura apenas como resultado do progresso
cientifico, desconhecendo os principais valores da existência humana, que são
aqueles valores ligados, exatamente, à vontade de potencia do homem, todo este
poder dinâmico que a humanidade tra e que foi sufocado pela tradição cultural
racionalista do Ocidente.
CULTIVO DA AUTONOMIA
Assim como Nietzsche, o
Iluminismo propunha o cultivo da autonomia. Mas eram visões muito diferentes.
Para os Iluministas como Kant, a autonomia se caracterizava exclusivamente pelo
aprimoramento da razão. Todas as demais forças presente no homem eram
considerdas contrarias a essa autonomia, a essa emancipação.
É esta grande pedagogia do
Iluminismo que prometia liberdade, a emancipação humana, graças a incorporação
das luzes da razão. As luzes da razão iluminaria as trevas da ignorância e,
portanto, nos possibilitava conhecer todos os mistérios do mundo, que não são
mais mistérios, são puramente fenômenos. O mundo está desencantado e, corolário
disso, haveria igualmente liberdade, a consolidação da liberdade. Os homens
poderiam se organizar democraticamente em uma sociedade esclarecida, livre e
igualitária, e que todos seriam felizes, mas exatamente esta promessa do
projeto iluminista da modernidade não se realizou.
Nietzsche acreditava que a
autonomia não se constituía apenas pela razão, ao contrario, a verdadeira
emancipação deriva do crescimento da liberdade, da vontade de potencia. Para
Nietzsche, da vontade de potencia fazem parte todos os nossos dinamismos
emocionais, afetivos e instintivos. Muitas dessas orientações fazem parte do
pensamento contemporâneo que descobre novas inteligências e valoriza diferentes
formas de sensibilidades.
EDUCAÇÃO E EDUCADOR
Na visão do Nietzsche, o que se
espera da educação, o que se esperaria da educação é ela não reforçasse esses
elementos da tradição iluministas, mas que, ao contrário, pudesse ser um
ambiente, um clima para o despertar dessas energias que estão presentes, mas,
muitas vezes, sufocadas em cada indivíduo. O modo de educação da vida social na
cultura contemporânea acaba sufocando muito estas pulsões que são reprimidas
pelo sistema cultural, pelo sistema religioso. Então, Nietzsche propõe que se
quebre a marteladas todos esses ídolos, todos esses ícones e todas essas
repressões para que, então, a nossa potencia possa se exprimir. Certamente, ele
chega a discutir esta questão de como preparar o educador, fortemente inspirado
pelo Schopenhauer, que exerceu um grande papel na formação filosófica do
Nietzsche. Não se trata do caso do professor, nem de um preparo técnico
científico na linha da tradição iluminista, e nem mesmo ver a escola como uma
estrutura burocrática ou administrativa, gerencial. O que está em pauta é muito
mais a personalidade do educador. Certamente o professor para Nietzsche é um
mestre, este mestre e o modelo da escola dele seriam muito mais a de um
ambiente, de uma educação muito mais convival do que propriamente neste esquema
que acabou consolidando no Ocidente, que é uma escola formal, uma escola
burocratizada, gerenciada, mais um ambiente de administração da vida do que de
fecundação da vida.
DIVERSIDADE E CRIATIVIDADE
Nietzsche é a lembrança da dimensão
dionisíaca perdida durante o predomínio do pensamento racional no Ocidente.
E é o que talvez todas essas
referências à inteligência emocional, ao reconhecimento das diversas formas de
sensibilidade humana, a valorização da estética, isto, sem dúvida alguma, é um
legado da inspiração nietzschiana para o pensamento contemporâneo. Seria característico
desse espirito superior, dessa vontade de potencia, ser extremamente criativo,
comose as coisas surgissem, esta força brotasse aos borbotões e levasse o
indivíduo humano a ser muito mais um artista do que um cientista ou um técnico.
Porque ele está vivendo a expansão dos seus sentimentos vitais. É a força da
vida que empurra para cima e que torna o homem extremamente criativo,
descobridor das coisas. Isso vai acontecer com o verdadeiro artista, que não
cria a partir de critérios racionais, mas justamente pela sensibilidade, pela
capacidade de se deixar explodir, de se deixar expressar a partir da pulsão de
suas próprias forças. Esta filosofia de Nietzsche, em que pese as suas
limitações pessoais e todas as dificuldades existenciais que ele mesmo enfrentou
no convívio com a sociedade de sua época, sem dúvida alguma, representou uma
importante manifestação de protesto e um grito de defesa de liberdade humana.
Embora ele tenha carregado muito nas tintas, sem dúvida alguma, esta é uma
proposta que valoriza a autonomia do ser humano e, consequentemente, o respeito
pela dignidade humana.
Embora incompreendido em sua
época, hoje Nietzsche é a principal inspiração do pensamento filosófico pós-moderno.
A filosofia de Nietzsche foi um
apelo coletivo, que serve a todo indivíduo, mas foi também um desabafo pessoal,
um grito de protesto contra as duras injunções que ele próprio enfrentou em sua
vida profissional, amorosa, como cidadão.
A vida do indivíduo Nietzsche, não
é uma demonstração da sua teoria, mas por limitações, ele tinha uma clareza de
espírito muito grande desse modelo de homem que ele visava, mas ele não
conseguiu implementar isso pessoalmente. O que ele conseguiu de fato realizar
foi uma personalidade rebelde, ele foi corajoso para enfrentar todo o poderio
de Igreja, o poderio do poder publico, mas não tinha como individualmente fazer
tudo isso.
BIBLIOGRAFIA: