quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Maquiavel: O Prefeito Quiron





Para falarmos de Maquiavel com precisão, ou seja, entendermos sua doutrina, penso que devemos faze uma careação ente ele e Gramsci. Já havia escrito aqui sobre Gramsci, mas sobre ele pode se ler no poste específico.

Gramsci definiu o que é Educação assim como Maquiavel definiu o que é Política. Vejamos, de maneira concisa como Gramsci definiu a educação e sua semelhança com Maquiavel: Gramsci havia escrito alguns textos críticos de “alguns princípios da educação moderna”, como aqueles de Rousseau e Pestalozzi, segundo os quais não se devia permitir que o educador enfadasse ou deformasse o “desenvolvimento espontâneo da personalidade da criança”. Em algumas de suas cartas critica a “ilusão” sobre o “desenvolvimento espontâneo” da criança: desde o primeiro momento da sua vida, educa-se a criança para que “conforme” a seu entorno, e a escola nada mais é que uma pequena “fração” de sua vida. “ a educação é sempre uma luta contra os instintos relacionados ás funções biológicas básicas, uma luta contra a natureza, para dominá-la e criar o ser humano “verdadeiro”. A aprendizagem, a disciplina psicológica e física, necessárias para estudar e alcançar qualquer realização, não são “prazerosas: é um processo de adaptação, um hábito  adquirido com esforço, tédio e inclusive sofrimento”.

Do que foi dito acima, não há como negar que educação não seja assim. Já vimos aqui no blog, que Nietzsche via a escola como uma estrutura burocrática ou administrativa. Observou correto, mas  o modelo de escola dele seriam muito mais a de um ambiente, de uma educação muito mais convival do que propriamente neste esquema que acabou consolidando no Ocidente, que é uma escola formal, uma escola burocratizada, gerenciada, mais um ambiente de administração da vida do que de fecundação da vida. e assim como Rousseau, Pestalozzi, Nietzsche priorizava o instinto. Mas a escola não é assim. A escola é como Gramsci apontou.

Essa atitude é comparável à de Maquiavel, a que Gramsci se refere freqüentemente. O termo “Maquiavel” e o adjetivo “maquiavélico” também lembram aspectos brutais e perversos do poder político, uma vez que Maquiavel descrevia o que era política na realidade e, talvez, o que sempre vai ser a política, e não o que deveria ser.

Gramsci e Maquiavel nos colocam uma importante questão: qual é a função educativa de uma descrição objetiva dos mecanismos do poder político e, no caso de Gramsci, dos mecanismos da ideologia? Educar as pessoas para que tenham uma postura realista e, conseqüentemente, participe da luta política contra os poderes, ou desvendar o lado culto da política, para que as pessoas desconfie da mesma, vivam suas vidas de modo independente e tenham uma opinião própria à margem do poder político?
Muitas indicações nos fazem crer que o objetivo de Gramsci não era puramente descritivo e que sua meta era orientar a um novo tipo de educação. Assim podemos dizer o mesmo de Maquiavel.

Antes de tudo, observamos sua interpretação da “política  maquiavélica”: usando descreve sobre a contribuição de Maquiavel na definição científica da “política”, Gramsci se faz, e faz também para nós, as seguintes perguntas:  “aquém” se dirigia Maquiavel quando escreveu O Príncipe? Qual era o seu objetivo e sua “política”? Parece evidente que Maquiavel não queria, nem necessitava ensinar aos dirigentes como conseguir o poder e como matê-lo, mas queria explicar e mostrar o mecanismo da real política. A definição de “política” de Maquiavel não corresponde à política que ele mesmo praticava, já que o efeito educativo de uma compreensão crítica da política consistia em tornar as novas classes mais conscientes, e, conseqüentemente, mais forte em oposição à velha aristocracia dirigente.

Eu fiz aqui ma simulação de uma entrevista com Maquiavel. Isso somente para deixar a leitura mais leve e mais fácil de ser comprendida. Durante a fala de Maquiavel eu usarei parênteses na minha participação. Então, fica entendido, que os parênteses na fala de Maquiavel sou eu querendo fazer um comentário. Ou seja, um tópico.
Maquiavel.

Eu –  O prefeito que governa um município deve seguir as normas da moral? O político deve se fundar em princípios éticos? A questão da relação entre moral e política, levantada por você pela primeira vez de modo específico, é ainda hoje objeto de debates. O filósofo, porque você como pensador, é um filósofo, é claro: se observarmos os processos históricos na sua objetividade (verdade efetiva), sem nos deixarmos influenciar pelo modo como, em nossa opinião, eles deveriam ser teoricamente, emerge o critério do realismo. A política não deve assumir do exterior a própria moralidade, mas de ser autonormativa, porque encontra em si a própria justificação, ao garantir aos súditos uma existência ordenada. (na bandeira do Brasil está escrito: ordem). Isso não significa que o prefeito (chefe político) deva ser imoral ou indiferente ao bem e ao mal, mas que às vezes o que para um individuo é ruim ( por exemplo a crueldade) torna-se necessário na prefeitura.

Maquiavel - Resta ver ainda como deve conduzir-se um prefeito com os seus eleitores ou com os amigos... pareceu-me mais conveniente perseguir a verdade dos fatos, em vez da fantasia. Muitos imaginaram prefeituras nunca vistas antes nem conhecida na realidade, mas existe tal diferença entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandona o que faz por aquilo que deveria fazer aprende na verdade a se arruinar, antes que a se preservar: posto que um homem que queira sempre se comportar como bom, entre tantos que bons não são, acaba por arruinar-se. Portanto, é necessário que um prefeito, para se manter como tal, aprenda a poder não ser bom, e usar isso ou não, segundo a necessidade.
Eu – como o prefeito deve avaliar um homem comum?
Maquiavel – deixando de lado as coisas imaginadas e falando daquelas que são reais, digo que todos os homens de que se fala, e principalmente os prefeitos, por estarem nos postos mais elevados, se fazem notar por algumas dessas qualidades que lhes acarretam reprovação ou louvor. Assim, existe quem é tido por magnânimo, e quem por miserável..., quem é capaz de dar, e quem é repasse; quem é cruel e quem é piedoso; um modesto e outro soberbo; um lascivo, e outro castro; um integro,  outro astuto; um religioso, o outro incrédulo, e assim por diante.

Eu – Mas a moral, segundo você, levaria a destruição do município. Então existem virtudes perniciosas e vícios benéficos?

Maquiavel – sei que dirão que seria muito louvável encontrar em um prefeito somente as qualidades consideradas boas, dentre todas aquelas supracitadas; mas não sendo possível possuí-las, nem inteiramente observá-las, porque a condição humana não o permite, é necessário que ele seja tão prudente que saiba à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, mas, não o conseguindo, pode-se abandonar a eles sem atribuir-lhes muita importância. Também não deve ter escrúpulo de atrair sobre si a censura provocada por aqueles vícios sem os quais dificilmente poderia salvar o poder, porque, tudo considerado, existem qualidades que têm aparência de virtude, mas leva o prefeito à ruína; e outra que, sobe a aparência de vício, produzem a segurança e seu bem-estar...

Eu – quando são necessárias a crueldade e a piedade? A política deve ser regida pela piedade? É melhor para o prefeito ser mais amado do que temido ou mais temido do que amado? Sua tese é de que a política deve usar todos os instrumentos que garanta o seu sucesso. A moderação também é necessária, mas a bondade sistemática termina por comprometer a ordem da sociedade, produzindo danos ainda maiores do que um mais realístico uso da violência. Certamente, do que escreveu, o ideal, para um prefeito, seria ser ao mesmo tempo amado e temido, mas na pratica as duas coisas não são facilmente conciliáveis. Quem governa o Estado, portanto, deve decidir a cada vez com base na oportunidade? Em todo caso, o que não deve fazer é submeter as práticas de governo às normas que regem a ética individua? É isso mesmo que entendi?

Maquiavel – digo que todo prefeito deve desejar ser considerado clemente, e não cruel: todavia, deve cuidar de não usar mal essa clemência. César Bógia era considerado cruel; mas essa crueldade trazia ordem à Romagna, unificando-a, pacificando-a e tornando-a leal...
Em política, a piedade produz mais danos do que vantagens. “assim um prefeito, para manter os seus súditos unidos e leais, não se deve preocupar com a fama de cruel; porque, com pouquíssimos exemplos, será mais clemente do que aqueles que, por excesso de clemência, deixam que as desordens prossigam, provocando mortes e roubos; posto que estas costumam atingir a inteira coletividade, quando as condenações do prefeito atingem um indivíduo em particular.
(A crueldade é necessária para a criação de um novo Município.) 
Maquiavel - E, entre todos os prefeitos, o prefeito novo não pode evitar ser considerado cruel, porque todos os municípios novos são cheios de perigos...
Mesmo quando emprega a crueldade, o prefeito não deve mostra-se pessoalmente cruel. “Todavia, mesmo o prefeito novo deve refletir antes de confiar e de agir, sem se deixar tomar pelo medo; e deve se comportar com prudência e humanidade, de modo que o excesso de confiança não torne incauto e o excesso de desconfiança o torne insuportável.

(Tanto a piedade quanto a crueldade são úteis. A crueldade é necessária.) 
Maquiavel - Nasce daí a controvérsia:é melhor ser amado do que temido ou vice-versa? A resposta é que se desejaria ser uma coisa e outra, mas posto que é difícil colocá-las juntas e que se deve escolher, resulta mais seguro ser temido do que amado.

(Em politica, a amizade funda-se exclusivamente no interesse recíproco.)

Maquiavel -  E aquele prefeito que confiava inteiramente nessas palavras, encontrando-se desprovido de outros meios de defesa, perde o poder; porque as amizades baseadas no pagamento de um preço, e não na grandeza e nobreza de ânimo [ as amizades desinteressadas], são emprestadas, mas não são tus e, na necessidade, não pode gastá-las...

Eu – em que consiste a política? Quais devem ser as virtudes de um homem de Estado? Segundo você, sua célebre máxima, em política os fins justifica os meios. Isso significa que tendo em vista o bem comum abandonam-se as regras ordinárias da ética individual? Do que pode entender, pelo que escreveu se necessário, o prefeito pode chegar até a traição; o importante é que justifique o seu comportamento com uma aparência de legitimidade. O que conta para um político, como se diz modernamente, você morreu quando o Brasil tinha apenas 27 anos, não é a substancia, mas a imagem?

Maquiavel – todos sabem o quanto é louvável para um prefeito se manter leal e viver com integridade; mas, pela experiência do nosso tempo, percebe-se terem alguns prefeitos realizado grandes feito, levando em pouca conta a palavra dada, confundindo, pelo engano, as mentes dos homens; e no final prevaleceram sobre aqueles que se fundaram sobre lealdade.
Portanto, um prefeito deve ser saber usar bem os modos do animal e os do homem. Esse tema foi ensinado aos prefeitos, de forma velada, pelos antigos escritores, que relatam como Aquiles e muitos outros prefeitos da antiguidade foram confiados ao centauro Quiron, para serem criados e educados. Ter como preceptor ( professor) alguém que era meio meio animal e meio homem significa que uma sem a outra não é duradora. Assim, sendo prefeito obrigado a saber se portar como animal deve escolher para tanto a raposa e o leão; porque o leão não se defende das armadilhas e a raposa não se defende dos lobos. Logo, é preciso ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para assustar os lobos.

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