Pausa
Mário Quintana
Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na
leitura de coisas feitas, ou a feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me
a indagar com que se pareceóculos sobre a mesa.
Com algum inseto
de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista
tombado?
Não, nada disso me
contenta ainda. Com que se parece mesmo?
E sinto que,
enquanto eu não captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E, enquanto o meu
Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara a meu dom quixote que os
óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de
fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois - dom
quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa e prtanto mais verdadeira...
E paira no ar o
eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para
terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu
passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante
a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar citar o dilema de Stechetti:
“Io sonno um poeta o
sonno um imbecile?”
Alternativa,
aliás, extensiva ao leitor de poesia...
A verdade é que a
minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e
não pensar por ele.
E daí?
- Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu
Sancho Pança -, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.
MÁRIO QUINTANA
(1906-1994)
Poeta sul-riograndense. Buscando sempre uma poesia simples e
despojada, publicou mais de uma dezenas de livros, entre os quais se destacam: A rua
dos cata ventos (1940), Espelho mágico (1948), O aprendiz de feiticeiro (1950),
Caderno H (1976), apontamento de história sobrenatural (1976), A vaca e o
hipogrifo (1977) e escoderijos de tempo (1980).
Dom
Quixote e Sancho Pança –
personagens da novela Dom Quixote, de
Miguel de Cervantes, escritor espanhol do século XVI. As duas personagens
representam os dois lados da alma e do comportamento de todo ser humano: Dom
Quixote é o simbolo do idealismo, do sonho, da imaginação, do espirito de
aventura...; Sancho Pança, do realismo, do espírito prático, dos interesses
imediatos...
Stechetti –
pseudônimo do escritor italiano Olindo Guerrini (1845-1916).
Nesta pequena crônica, Mário Quintana reflete sobre suas
atividades de escritor e de leitor de poesia. O tema do texto é colocado de
maneira direta e, aparentemente, até simplista: escrever e ler poesia não é uma
grande perda de tempo? E, radicalizando, pergunta com Stechtti: escrever e ler
poesia não é uma imbecilidade?
SENSO COMUM – Ideias amplamente aceita em uma época: opiniões
contrarias são vistas como absurdas e aberrantes.
BOM SENSO OU SENSO CRÍTICO
– Capacidade de discernir, sem preconceitos, o verdadeiro do falso.
SENSO POÉTICO OU ARTÍSTICO
Maneira especial e original de ver a realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário